Todos
os dias eu acordo e penso na quantidade de coisas que eu preciso fazer para
cumprir minhas metas de estudo. O dia passa e a gente se vê nessa correria da
vida. Não nos sobra tempo para conversar com as pessoas sobre suas vidas,
expectativas, sonhos e medos. E, assim, a vida vai passando, escorrendo pelos
nossos dedos.
Eu tenho estado nessa
rotina frenética de estudos contínuos no último ano. Fiz pesquisa fazendo Leitura
Dialógica com crianças com autismo, mas apenas como observadora enquanto outras
pessoas mediavam a leitura. Enfim... há oito meses não lia para ninguém. E é
engraçado como a gente esquece de fazer coisas que nos deixam felizes e nos fazem
ter experiências transformadoras.
Essa semana voltei a
fazer mediações em uma turma da Educação de Jovens e Adultos pelo projeto
Livros Abertos. As minhas expectativas eram baixas devido ao cansaço do dia e
da rotina, em geral. Mas, ao compartilhar uma história, ao compartilhar
experiências, é como seu uma luzinha se acendesse em um ambiente no qual antes
predominava a escuridão e o tic-tac contínuo marcando os prazos de um
cronograma a ser cumprido. Há vida brotando nas palavras, no compartilhar, na
fala de cada participante da roda de leitura .
Nesse recomeço, fiz mediação com o livro “A vida não me assusta”, de Maya Angelou, com ilustrações de Jean-Michel Basquiat. Um livro sobre medos, sobre superações, sobre “erguer a cabeça e encarar as dificuldades da vida”, como disse um dos participantes. Em outra ocasião, já havia participado de uma mediação com o mesmo livro. Mas, ao compartilhá-lo com novas pessoas, relembrei o quanto cada roda de leitura é uma experiência completamente surpreendente.
Quando a gente entra em
um contexto de Educação de Jovens e Adultos, nos deparamos com um público que,
durante toda sua vida, foi subestimado por não saber ler e escrever. Pessoas
que, muitas vezes, foram colocadas em posição exclusivamente de aprendiz, afinal,
conhecimento científico é superior ao conhecimento adquirido com as
experiências cotidianas, certo? Se você pensou “certo”, preciso te decepcionar
e dizer que aqui, na vida real, fora dos ambientes acadêmicos, são apenas tipos
diferentes de conhecimento, cada um com sua função.
Fazer mediações para esse
público é entender que toda relação é uma troca: de experiências, de
aprendizagem, de valores, de ideais. E para um segundinho para pensar aqui
comigo: O quão disponível você está para se permitir participar dessas trocas?
Quão flexível você está para se permitir essa movimentação entre os papeis de
receber e de proporcionar trocas? O quanto você tem se fechado para o
conhecimento que as pessoas ao seu redor carregam consigo? O quão presente você
esteve, de verdade, para ouvir sobre os conhecimentos de pessoas com nível de
escolaridade diferente do seu?
Nesse momento de
recomeços, deixo uma proposta: Vamos nos permitir viver, compartilhar, ouvir e
falar. Vamos nos permitir estar presente em cada relação, em cada possibilidade
de troca, em cada sorriso e em cada olhar, em cada palavra dita ao outro e cada
palavra ouvida. Apenas... vamos tentar.
Raphaella Caldas