terça-feira, 10 de abril de 2012

Ler imagens


Resenha:  Carcamo, Gonzalo (2000). Modelo Vivo, Natureza Morta. São Paulo: Paulus.

Por Pedro Bonaldo[1]


          A obra de que quero falar hoje contém apenas imagens. Gostei particularmente deste livro porque ele difere radicalmente da perspectiva adotada por muitos livros paradidáticos em que a representação do que está escrito é redundante, sendo apenas ilustração ponto-a-ponto do texto. Acho que este livro, a partir do momento que só traz imagens, nos obriga a prestar muita atenção naquilo que está sendo contado a partir delas. Depois, nos cativa a ir além da história e começar a pensar na nossa vida. Em um mundo em que a imagem e texto são tão presentificadas, seja pela internet ou televisão, este livro nos convida a adotar uma perspectiva diferente, a olharmos para a imagem e começarmos a pensar sobre ela.  É um pouco a ideia de se olhar um quadro e de tentar ir além do que se apresenta imediatamente.

     Livros que em que predomina a imagem podem causar, paradoxalmente, uma dificuldade de compreensão. A imagem, ao contrário do que se costuma pensar, não se “dá” ao entendimento de forma imediata. É muito comum que tanto os adultos como as crianças sintam dificuldade ao “ler” as imagens, até pelo fato de que nossa alfabetização, principalmente no Brasil, foca muito pouco na leitura de imagens e sim na leitura de textos escritos (Ramos, 2011). Para entendermos um livro de imagens precisamos aprender a olhar, ou seja, ir além de captar a imagem com os olhos, que é uma atividade física, e ir para uma atividade mental de absorvemos e compreendemos o examinado. Desta forma, o olhar será a soma e o resultado de aspectos físicos, psicológicos, de percepção e de criação. Utilizarei os termos “primeira leitura” e “segunda leitura” para mostrar o movimento que o leitor tem ao entrar em contato com o livro.
            Na primeira leitura, pela interpretação das imagens, somos capturados pela beleza das ilustrações produzidas pelo autor. Percorrendo as páginas, podemos compreender a história de um artista preocupado com o meio ambiente e a de um caçador que adora exibir suas caças, mesmo que isto implique na destruição da natureza. À medida que o caçador vai devastando o meio ambiente, o artista sempre precisa ir mudando o foco de suas pinturas, à procura de temas ainda não destruídos pelo caçador. Numa primeira leitura isto pode ser apreendido.

Numa segunda leitura mais atenta, podemos pensar este livro como uma sutil e ao mesmo tempo marcante defesa do meio ambiente. Talvez mais importante do que isso, no entanto, seja a reflexão sobre como nossas escolhas podem afetar a vida e o trabalho dos outros. Como mostrado no livro, a atividade do caçador, de ir matando um animal atrás do outro, fez com que o pintor perdesse o que pintar.  Mesmo quando muda o seu objeto para uma árvore, esta logo é destruída, nos levando a pensar que, um dia, ele não terá mais nada para pintar assim como, se a natureza continuar sendo destruída, um dia não teremos mais história para contar. Obviamente, dá para brincar bastante com as expressões Natureza Viva/Natureza Morta. Vemos os dois da transformação da natureza pelo homem, que eterniza na tela e o que eterniza matando. Duas formas de apropriação que têm consequências muito distintas. Momentos irônicos da história fazem pensar, como aquele em que o caçador mata o urso para fazer um tapete e ainda compra o quadro do pintor que retrata esse mesmo urso.
O livro pode ser trabalhado tanto com crianças quanto com  adultos pois as imagens não são de difícil compreensão, embora uma leitura mais metafórica possa exigir um pensamento mais atento, visto que o livro pode ser interpretado de diversas maneiras. Li o livro todo e depois dei para meu irmão ler, e é interessante como a compreensão da história é de fato a mesma só que conforme vamos para uma leitura mais metafórica começamos a notar coisas diferentes sobre possíveis mensagens da história. Essa é a riqueza de um livro com só imagens, principalmente tão poético como este. Há livros só de imagens que não dão muita margem para diversas interpretações, mas esse dá a chance de cada pessoa ver algo diferente e expressar isso.
Referência:
Ramos, G (2011). A imagem nos livros infantis. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Leitura Recomendada:
Aguiar (2009). O que é qualidade em literatura infantil? São Paulo: Escala Educacional



[1] Texto produzido na disciplina Tópicos Especiais em Aprendizagem: Literatura, Infância e Aprendizagem, ministrado pela Professora Eileen Pfeiffer Flores durante o Segundo Semestre de 2011.

Nenhum comentário: