terça-feira, 24 de novembro de 2015

Sobre se sentir mais viva e no lugar certo

Quando é fim de semestre, estresse, nervosismo, muitas coisas pra fazer, em adição à sua vida fora do contexto universitário – obviamente cheia de situações que podem fazer você perder um pouco a cabeça –, o que possivelmente passa pela sua mente é: quero paz!

Mas daí chega o dia da sua contação. Você acha que não terá paciência o suficiente, nem sensibilidade para ouvir e entender as crianças que, somente naquele dia, têm sua intervenção literária. 

Porém, o que acontece é exatamente o contrário: você se sente mais viva e no lugar certo. Pode não ser bem a sua situação, mas foi a minha. Chegar à escola e observar todas aquelas carinhas prontas pra ouvir e discutir o assunto da contação do dia é extremamente reconfortante.



Deixá-las expressar tudo o que tiverem vontade, ouvir suas opiniões e histórias de vida, suas reclamações, seus prazeres, suas ligações entre a história contada e a vida real, são coisas que fazem com que, pelo menos naquela hora, haja um esquecimento das minhas próprias questões, dos meus próprios estresses e insatisfações. Faz  haver um mergulho no momento e a valorização de cada palavrinha dita, cada desejo de se comunicar e expressar tudo o que tiver vontade.

No final das contas, o mergulho no momento é tão importante quanto as intervenções literárias preparadas, o script imaginado, a "moral" da história. Deixar-se levar e criar um ambiente propício à troca de experiências fazem da contação algo significativo não só na vida das crianças,  mas na dos contadores também. 

Raylane


domingo, 15 de novembro de 2015

A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga.

Vencedora do Hans Christian Andersen em 1982 - um ano após o lançamento de Bolsa Amarela, sua Magnum Opus -, Lygia Bojunga Nunes ganhou o público infantil com suas histórias que respeitam a inteligência das crianças. Ao retratar a visão da infantil de forma não estereotipada, a autora me conquistou com este livro que comentaremos agora.



Narrada em primeira pessoa, a história é contada na a ótica de uma menina de sete a oito anos, a Raquel. Com uma linguagem que parece falar à alma, o texto nos reaproxima da infância e nos faz relembrar como, muitas vezes, os sonhos, anseios e  as opiniões das crianças são ridicularizados. Raquel é criativa, engraçada e cheia de idéias e histórias para contar.Ela pensa muito, mas muito mesmo, sobre a barreira entre adultos e crianças e nos leva questioná-la também, já que nos convence de que adultos e crianças são iguais. Só criança faz pirraça? Só adulto tem deveres e segue regras? Não? Então por que crianças são tratadas como se fossem menos inteligentes e adultos como seres superiores? Lendo o livro, a primeira revelação é ver a vida pelos olhos de uma criança. Infelizmente, em nossa cultura, tratamos crianças como seres com menos inteligência, como se elas não fossem capazes de refletir ou sequer notar o mundo a sua volta. 
Ainda tenho memórias frescas da infância, algumas inclusive em que agi de formas consideradas próprias de crianças "malcriadas",enfrentando adultos e consequentemente sendo chamada de  "menina atrevida", "petulante", "folgada",  "espertinha, dentre outros adjetivos usados por quem se acha superior em um diálogo. Mesmo assim, infelizmente, eu repito esse erro como se fosse natural. A questão faz recordar um viídeo "viral" da internet de uma menina que demonstra bem que crianças sabem sim o que acontece em sua volta, e que elas expressam isso à própria maneira, com muita perspicácia e sensibilidade.




Raquel, muito mais nova que os demais irmãos e sempre sendo silenciada por eles, sente-se só. Descobre então que, por meio da escrita, ela pode ser quem quer, fazer o que bem entender, ter quantos amigos puder, despejando no papel todas as suas vontades, a de ser "grande" , a de ser menino, a de ter amigos. Mas mesmo sua escrita desperta desconfiança nos irmãos mais velhos, cujo primeiro movimento é sempre o de duvidar da palavra da caçula. Assim, até para escrever cartas inventadas de amigos inventados para si mesma, Raquel é obrigada a elaborar intrincados planos para escapar do olhar sempre vigilante dos adultos. É a bolsa amarela, um objeto rejeitado pelos adultos de um pacote enviado por uma tia, que vai permitir que Raquel guarde e viva suas vontades, seus sonhos, suas histórias... 

Uma reflexão que Raquel se faz e que acabamos nos fazendo também ao viver suas aventuras é acerca da obsessão que nossa cultura possui por divisão de gênero. Oras, por que menina não pode soltar pipa, jogar bola, ralar os joelhos? Por que diabos usar rosa ou gostar de boneca é propriedade feminina? É só uma cor, um brinquedo, uma brincadeira. Embora a obra tenha sido escrita na década de 1970, tais questionamentos continuam, infelizmente, muito 
A obra nos mostra ser possível abordar quase qualquer questão com as crianças e nos lembra que fazíamos sim esses tipos de questionamentos, assim como nossos filhos também nos colocam tantas vezes contra a parede com perguntas que nem sempre sabemos como responder. 
Num trecho, Raquel se questiona sobre seu nascimento, que ela sabe, através das irmãs, não ter sido planejado. Isso a faz sentir-se, às vezes, como se estivesse "sobrando" na família. Questiona-se, consequentemente, sobre a escolha de ser mãe:
"Um dia perguntei para elas: Por que é que a mamãe não tinha mais condição de ter filhos? Elas falaram que a minha mãe trabalhava demais, já tava cansada e que também a gente não tinha dinheiro para educar direito três filhos, quanto mais quatro. Fiquei pensando: mas se ela não queria mais filhos porque é que eu nasci? Pensei nisso demais, sabe? E acabei achando que a gente só devia nascer quando a mãe da gente quer ver a gente nascendo."
Já no diálogo abaixo, Raquel questiona o conceito de "chefe da casa" :
"- Quem é que resolve as coisas? Quem é o chefe?
- Chefe?
- É, o chefe da casa. Quem é? Teu pai ou teu avô?
- Mas para que precisa de chefe?
-Para resolver os troços, ué; para resolver o que é que cada um vai estudar.
-Cada um estuda o que gosta mais. Tem livro aí, a gente escolhe o que quer.(...)
- Não tem sempre uma porção de coisas para resolver? Quem é que resolve?
- Nós quatro. (...)
- Mas pode?
- Por que é que não pode?"
Diversas outras reflexões na perspectiva de Raquel nos fazem pensar:  As opiniões dos pequenos precisam ser reprimidas, constantemente negadas ou moldadas? Tentar coagir ou censurá-las para que suas opiniões coincidam com as nossas funciona? Penso que tratar crianças como se elas não pensassem ou como se nós adultos fôssemos "a fonte de conhecimento" é apenas uma armadilha para nós mesmos.

Espero que tenham gostado da resenha. Se tiverem indicações de algum outro livro da autora de que tenham gostado ou de outras obras relacionadas, ou se já leram Bolsa Amarela e gostaram ou não, escrevam nos comentários! O feedback de vocês é muito importante para os resenhistas e mediadores do blog.


Autora: Amanda Barros

Considerações finais:
Agradeço ao blog Leitura no Varal  por  divulgar uma de nossas postagens. Continuem nos acompanhando e esperamos continuar agradando. A literatura infantil precisa de visibilidade.

Ficha Técnica:

Título: A Bolsa Amarela
Autora: Lygia Bojunga Nunes

Ilustradora: Marie Louise Nery

Edição: 35a (Primeira Edição em 1976).
Editora: Casa Lygia Bojunga (Rio de Janeiro).


Referências: 
WIKIPÉDIA BRASIL. Artigo Lygia Bojunga. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lygia_Bojunga> 31/10/2015; 11h18.(acesso)

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

4º edição da Oficina Conte Comigo do Livros Abertos: Aqui todos contam!



A 4º edição da Oficina Conte Comigo do "Livros Abertos: Aqui todos contam" fez parte da programação oferecida pela Semana Universitária 2015 da Universidade de Brasília (UnB), que ocorreu do dia 27 a 31 de outubro. Participaram da oficina estudantes da UnB e Educadores, que puderam conhecer a leitura dialógica e discutir diversas temáticas a partir das rodas de contação dialógicas desenvolvidas na oficina.

Aspectos essenciais da leitura dialógica foram comentados, tais como ler a história antes de contar às crianças, saber lidar com as perguntas, compreender se a criança está gostando e entendendo a história contada.
Houve também um embate entre a leitura dialógica e leitura convencional, em que se discutiu qual era mais cansativa ou em qual se gasta mais energia.
Segundo os participantes na leitura dialógica a criança gasta mais energia devido a proposta de participação do que na leitura convencional.


Uma participante comentou que “para a criança [a Leitura dialógica] é mais interessante, pois ela participa, ela tem espaço para falar, para se colocar e ser ouvida.

Assim, chegou-se a conclusão que na Leitura dialógica há mais liberdade para imaginar, refletir para além da história e relacioná-la com acontecimentos do dia-a-dia. O grupo salientou que para além da conclusão que a história do livro chegou, o grupo de crianças pode criar a sua própria conclusão como o mediador Manuel pontuou: “Quando a participação foge do livro, eu fecho o livro e nós criamos a nossa própria história".
Outro aspecto discutido foi “deixar ou não a criança ler a história no lugar do mediador?”. Segundo os participantes, por mais que o grupo disperse, para crianças que estão iniciando o processo de aprendizagem da leitura, esse incentivo é importante.  
Outro tema bastante comentado foi a relação entre leitor e livro. Destacaram que o livro é uma forma de se autoconhecer, de dar forças para vencer os medos e anseios. Os livros não geram só prazer, mas também inquietações. A criança em sua relação com o livro e a leitura dialógica faz com que ela expresse os acontecimentos que ela projeta no livro, seus sentimentos, entre outras coisas. A Leitura dialógica é um espaço das crianças e por isso a escuta atenciosa e respeitosa também se faz necessária.


Enfim, muitas coisas foram compartilhadas, tantas que esse texto poderia ser mais longo.




Assim para finalizar a dinâmica foi perguntado a cada um da roda “em uma palavra, o que é necessário para ser um bom mediador de leitura?”


"Ser criativa(o), leitor(a), engraçada(o)"                  "estar aberta(o), ser ouvinte, colhedor(a)
                                                                                      paciente, entender as crianças, ser 
"amiga(o), entrar no mundo da criança                       (e também mostrar o seu mundo a ela"
despertar, ser um captador de memórias, sensível,      
brincalhão (lhona), deixar de ser a sabichona(ão)",

                                                                      "ser observador, perseverante, alguém que faz a diferença pela relação da criança com a leitura, ser cativador e cativante, ser amoroso(a)".




Ao final foi possível que os participantes fizessem uma breve avaliação, contribuindo com sugestões para oficinas posteriores. Segue-se um exemplo de avaliação feito na oficina:


  • Que Bom: “Muito bom a parte do debate, pois você acaba aprendendo com as experiências de outras pessoas e também a parte da dinâmica de contar historias, pois tem uma vivência real de um mediador de leitura e a visão dos desafios que ele poderá enfrentar
  • Que pena: “Que pena! Poderia ter em mais escolas.”
  • Que tal: “Que tal a oficina ser dois dias? Em um dia seria passado a experiência do projeto. E no segundo dia teriam alunos para que pudéssemos contar historias”.

Agradecemos a todos que contribuíram com a avaliação e que participaram da 4º Edição da Oficina Conte Comigo!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Lila e o Segredo da Chuva (Diário do Contador)

Quando me encontrei com esse livro, pensei que seria bem oportuno levá-lo para a mediação com as crianças, pois estávamos naquele período de altas temperaturas e baixa umidade em Brasília. 
Essa obra foi a responsável por eu conseguir cativar as crianças, digo isso porque as mediações anteriores foram bem desafiadoras, pra não dizer difíceis mesmo. Mas essa situação mudou e ficou esclarecida quando a professora contou que eles não tiveram mediadores desde o início do ano, e se levarmos em consideração que a maioria dessas crianças estão tendo contato com a escola e quiçá com a leitura, pela primeira vez. É uma turma de 1º ano (sete anos). 

http://www.editorabiruta.com.br/wp-content/uploads/2014/08/Lila-e-o-segredo-da-Chuva-OK.jpg















 
No dia, levei também um livrinho com o mapa mundi e iniciei o diálogo contando que essa garotinha morava no Quênia… Só aí já rendeu muita prosa, pois esse é também o nome da professora deles (Kenia). Lila é uma garotinha que, motivada pela insatisfação com a falta de água no vilarejo em que mora com a família, resolve (com um empurrãozinho do avó), buscar o segredo que faz chover. 

http://image.slidesharecdn.com/lilaeosegredodachuva-141129125256-conversion-gate02/95/lila-e-o-segredo-da-chuva-7-638.jpg?cb=1417265658


Conversamos sobre por que chove, como chove… Sobre isso, uma criança falou que era quando o “papai do céu” ficava triste… Na hora, outra criança interviu dizendo que não, na verdade isso acontece porque as nuvens ficam carregadas d´água.

Muita conversa, reflexão sobre as explicações dos fenômenos naturais e imaginação rolou! Fizemos até a dança da chuva (risos...). Sobre isso, uma menina comentou: 
- Tia, a gente leu a história da chuva e não é que choveu?

Foi uma experiência muito grata esse dia, por isso fiz questão de compartilhá-la com vocês.

Ficha técnica do livro 

Coleção:contos mundo afora 
Obra: Lila e o segredo da chuva 
Autor: David Conway 
Ilustração: Jude Daly
Editora: Biruta
Ano: 2010
Samara Alencar :)




terça-feira, 3 de novembro de 2015

A Grande Questão, de Wolf Erlbruch (Diário do Contador).

Semana passada tive a experiência de levar A grande questão de Wolf Erlbruch para a contação. O livro, trazido ao país pela editora Cosacnaify, proporciona uma reflexão sobre as grandes questões da vida.
Afinal, por que viemos ao mundo? Por que existimos?


Entre as pequenas, médias e grandes questões em nossa vida, ai está uma difícil de responder, não só pela complexidade do tema, mas porque uma resposta não parece o suficiente. Wolf brinca com essa ideia, com ele exploramos o mundo para conhecer o sentido da vida pelo olhar de diversos personagens. Encontramos a resposta dos familiares parentes do protagonista, dos animais domésticos... Ninguém quer perder a oportunidade de dar o seu porquê para o leitor curioso: o padeiro, a pedra, o número três... Até mesmo a morte vem fazer sua contribuição para a grande questão.
É instigante ver como, em ilustrações tão sintéticas, Wolf consegue trazer tantos elementos paraa reflexão. As crianças captaram mensagens sutis por entre as colagens e desenhos do autor. Em muitos momentos da contação, tive a impressão que elas conseguiam ler o código escrito, pois apenas com as imagens conseguiam captar o texto e a proposta do livro.
No início da contação, estávamos no pensamento concreto. De acordo com as crianças, estávamos onde estávamos para ouvir histórias, e existimos "porque sim", oras.
Mas, aos poucos, a cada página e conversa, as crianças construíam juntas outros porquês. Para elas há mais na vida do que ficar no mesmo lugar como uma pedra ou obedecer as regras como um robô.
Pobre do 3, que justifica nossa existência no mundo para que um dia aprendamos a contar até 3! Havia crianças que já sabiam contar até 40! Para além de novas explicações e de olhar o mundo e a vida sob diversas perspectivas, o livro nos convida a repensar:  O que fazer quando nossas ideias e nossos valores mudam ou quando atingimos nossas metas atuais?
Convido aos leitores a conhecerem este livro e a obra do autor, e quem sabe descobrir mais uma resposta para ...
http://ecx.images-amazon.com/images/I/41z99fmwwDL.jpg


Quer contar este livro de forma dialógica? Confira muitas dicas e sugestões para a mediação desta obra na Revista Livros Abertos!

Ficha técnica do livro
Nome: A Grande Questão
Autor: Autor e ilustrador : Wolf Erlbruch
Tradução: Roberta SaraivaSamuel Titan Jr.
Editora: Cosacnaify
Ano: 2012  
Confira o slideshow do livro disponibilizado pela editora no link a seguir: http://editora.cosacnaify.com.br/legacy/slideshow/show_questao.htm