terça-feira, 24 de abril de 2012

Triste Déjà-Vu

Muitos devem ter visto a última capa da Revista Veja, que mostra um rapaz alto, magro, bem-vestido e sorridente ao lado de um "baixinho" caricato, com a roupa desalinhada e a expressão descontente. A revista declara que "do alto tudo é melhor" e que a "evolução tecnofísica" explicaria "por que as pessoas mais altas são mais saudáveis e tendem a ser mais bem-sucedidas". As palavras "mais altas", "mais saudáveis" e "mais bem-sucedidas" aparecem destacadas com a mesma cor.
A "tecnofísica" é anunciada como uma nova ciência, e a "evolução tecnofísica" como um suposto progresso genético rumo a pessoas mais altas = felizes = bem-sucedidas. Nova ciência? Parece-me que "ciências" bem parecidas e nada novas já foram anunciadas como a "solução da humanidade". Todos conhecem no que deu.
Há uma profusão de livros infantis e infanto-juvenis, geralmente paradidáticos (mas não sempre), dedicados à questão das "diferenças". A expressão em si talvez não seja a melhor, pois podemos ser diferentes ou semelhantes em infinitos aspectos e as "diferenças" destacadas em alguns trabalhos menos reflexivos talvez sejam mais reveladoras de preconceitos subjacentes do que inspiradoras de novas atitudes. É possível, ainda, que apenas repetir que somos diferentes e sugerir, enganosamente, que podemos construir um mundo idílico e sem conflitos não seja a melhor maneira de ajudar as crianças a pensarem criticamente sobre práticas discriminatórias que marcam nossa sociedade. Mas isso fica para uma próxima postagem. Hoje, fica apenas a triste constatação: entre tantos livros especializados, encontros, debates e outros esforços para refletir sobre a discriminação e a intolerância e favorecer o pensamento plural na escola, alguns veículos de comunicação  continuam, infelizmente, desfilando afirmações que buscam dar respaldo pseudo-científico a preconceitos mal-disfarçados.

"É aquilo que fazemos do que temos, e não o que nos foi dado, que distingue uma pessoa de outra". Nelson Mandela. 


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dia Mundial do Livro

                                 Caros Leitores,


Neste Dia Mundial do Livro, eu estava aqui pensando sobre nossa trajetória quando me dei conta que que fizemos um ano de Blog há semanas (12 de abril) e nem notamos! Então, à moda dos esquecidos que convivem intensamente e amam muito mas não têm cabeça para datas, desejo a todos nós do Livros Abertos um "Feliz Aniversário Atrasado!" E, afinal, talvez não seja tão inoportuno festejarmos hoje, em data tão significativa, nossa viagem até aqui.
Não falarei em conquistas, obstáculos e vitórias. Pois não é de uma guerra que estamos a falar. Prefiro falar em passos, piruetas, ritmo e cadência e muita sincronia, com os passos em falso e as quedas que fazem parte de toda dança. Tem sido muito bom aprender com as crianças o vai-e-vem do diálogo que não se apressa e que flui, a escuta atenta e de corpo inteiro, os passos ritmados da leitura que não atropelam e que acompanham o ritmo da narrativa. Descobrir as nossas vozes, inventar novos mundos na polifonia de nossos deliciosos encontros com o livro. Inevitavelmente, às vezes acabamos pisando nos pés uns dos outros. Mas estamos dançando, então nos entreolhamos, rimos e começamos de novo. Sempre.

Parabéns e obrigado a todos que contribuíram e que contribuem para ampliar cada vez mais esta roda!

Um abraço,

Equipe Livros Abertos

sábado, 21 de abril de 2012

Reportagem sobre o Livros Abertos!

Boa tarde a todos e Feliz Aniversário, Brasília!
Parabéns, querida UnB!

Nesta momento de comemoração dos 52 anos de nossa Brasília e dos 50 anos de nossa querida Universidade, incluindo festa, protestos e reflexões acerca do que queremos para o futuro, compartilho reportagem que saiu esta semana no jornal Campus Online sobre o Projeto:
Com a vontade, que só cresce, de trazer cada vez mais pessoas para o prazer de ler!

Curtam muito este fim de semana!
Abraços,
Equipe Livros Abertos

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Dia Nacional do Livro Infantil: Reflexões sobre a escola e a leitura



Por Maria Freire[1] e Eileen Pfeiffer Flores

Olá, caros leitores! A leitura está, realmente, na pauta do dia. Hoje estamos festejando o Dia de Monteiro Lobato e o Dia Nacional do Livro Infantil. Ao mesmo tempo, em comemoração aos 52 anos de Brasília, a cidade está sediando, desde 14 de abril, a 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, com o compromisso de transformar Brasília na capital do livro e da leitura. Vale a pena conferir a programação, que tem muita coisa interessante, entre seminários, palestras, lançamentos, bate-papos com escritores, música, poesia e performances. Um dos focos da Bienal é a questão das políticas para ampliação do acesso aos livros e a formação de novos leitores.
 Como sabemos, em nosso país, para muitas crianças, o ato de ler só se inicia na escola, a qual teria a função de estimular o prazer de ler e a busca pelo saber, oferecendo meios que viessem a seduzir o aluno e despertar seu desejo pela busca dos livros e da leitura. No entanto, os últimos resultados da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro[2], foram muito desanimadores, indicando que 55% dos entrevistados não leram nenhum livro nos últimos meses (nem inteiro, nem em partes, e incluindo a Bíblia e os livros didáticos!!). Essas pessoas incluem tanto estudantes quanto pessoas formadas. Como isso é possível? O que está fazendo com que a escola, muitas vezes, afaste as pessoas da leitura, em vez de aproximá-las?
No sábado, dia 14, tivemos a oportunidade de assistir "A mediação da leitura" com representantes do PROLER, MEC e Programa Arca das Letras/MDA. A grande questão que surgiu durante o debate foi a questão do mediador de leitura. Para muitas crianças, os professores seriam os principais mediadores de leitura e a escola, o primeiro contato com livros. Mas o que se percebe é que no processo de leitura, a literatura, bem como toda a cultura criadora e questionadora, não está sendo explorada como deve nas escolas. A formação acadêmica, infelizmente não dá ênfase à leitura. É verdade que, para o leitor em formação, a aprendizagem da leitura não cabe apenas a escola, mas também a família. Mas, insistimos, a escola pode ser a primeira oportunidade de contato com o mundo da leitura para a maioria das crianças no Brasil. Se a escola não der início ao processo e não incluir a família e a comunidade, como poderá ocorrer a mudança? E, conversando sobre o seminário depois, surgiu a questão: como os professores podem ser mediadores que façam diferença se não forem, eles mesmos, leitores? Continuarão a considerar a leitura como mero entretenimento ou como pretexto para tarefas escolares.

 Finalizamos com uma citação do homenageado de hoje que expressa com perfeição o que está a nos inquietar:

A inteligência só entra a funcionar com prazer, eficientemente, quando a imaginação lhe serve de guia. A bagagem de Julio Verne, amontoada na memória, faz nascer o desejo do estudo. Suportamos e compreendemos o abstrato só quando já existe material concreto na memória. Mas pegar de uma pobre criança e pô-la a decorar nomes de rios, cidades, golfos, mares, como se faz hoje, sem intermédio da imaginação, chega a ser criminoso. É no entanto o que se faz!... A arte abrindo caminho à ciência: quando compreenderão os professores que o segredo de tudo está aqui? (Monteiro Lobato, 1923).[3]




[1] Estudante de Letras na UnB e mediadora de leitura do Projeto Livros Abertos.
[3] Citado em Bignotto, C.C. (s.d.) Monteiro Lobato e a infância na república velha. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/RepublicaVelha.htm



terça-feira, 17 de abril de 2012

"Professora, mostra as figuras!"

Você folheia impacientemente livros ilustrados e acha que isso é coisa de criança? Muitas pessoas acham que ilustração serve apenas para acompanhar a história e ajudar a quem ainda não sabe ler. E, infelizmente, algumas ilustrações partem desse pressuposto, oferecendo apenas informação redundante, em imitações mais ou menos inspiradas no padrão Disney...Mas há muitos livros excelentes, verdadeiras obras de arte, que deixamos de enxergar de tanto sermos bombardeados pela centralidade do texto. Quando nos damos conta, aprendemos a ler textos e nos tornamos analfabetos da imagem...

A importância das ilustrações para a imaginação e a cognição infantil


Por Tabata Gerk [1]




[1] Texto produzido durante a disciplina Tópicos Especiais em Aprendizagem no Segundo Semestre de 2011 na Universidade de Brasília


O mundo de uma criança possui milhares de fantasias e imaginações. Muitas não podem ser traduzidas em palavras, mas as ilustrações podem representá-las, dar vida a elas e ajudar a criar outras tantas. Os desenhos muitas vezes conseguem traduzir pensamentos de uma forma mais complexa e ampla do que as palavras.

As imagens também têm um caráter democrático: podem ser lidas pelos que não sabem ler palavras. Esse aspecto abrange crianças que ainda não chegaram à idade de alfabetização. Nessa fase elas começam a fervilhar de interesse e curiosidade, e estão muito entretidas com toda a imaginação e fantasia que criam, o que torna as ilustrações dos livros um estímulo super efetivo para ajudá-las em novas descobertas, novos pensamentos e reflexões conceituais, e incentivando sua criatividade. Para as crianças que ainda não sabem ler as palavras, os livros não possuem só a história escrita que lhes é lida, e sim muitas histórias diferentes inventadas por eles mesmos com as ilustrações ali expostas.
Crianças adoram ilustrações! Mesmo quando aprendem a ler, a ilustração continua ganhando espaço de destaque nos livros. Elas começam a conseguir conectar as imagens com as palavras escritas, e raciocinar sobre essa relação, o que continua mantendo a importância das figuras nos livros.

Porém, crescendo mais um pouco, as exigências da escola mudam e o lugar das ilustrações começa a ser substituído por textos mais complexos e compridos, e contas de matemática – “muito importantes para o futuro, para que elas sejam bem sucedidas na vida, arranjem uma boa faculdade, um bom emprego...”.


 No começo da adolescência, as “antigas crianças” já foram tão dominadas pelas exigências da escola que muitas começam a achar ilustrações bobas, coisa de crianças menores, e até perda de tempo. Esse fato é fatalmente reforçado à medida que os adolescentes passam pelo pré-vestibular e continuam na faculdade, até a vida adulta. Tanto que hoje em dia muitos de nós temos ansiedade de olhar imagens mais demoradamente quando pegamos algum livro ilustrado; normalmente passamos rápido por elas e tentamos procurar a lógica apenas nas palavras. Viramos praticamente analfabetos em imagens depois de adultos. É constrangedor abrir algum livro que a história seja contada apenas por imagens e demorar mais do que o normal para entendê-la. Logo nós, adultos, que nos achamos muito mais sábios que as crianças, perdemos fácil para elas em quesito de leitura de imagens e de imaginação.
Isso é um triste fato de se pensar, que fomos tomados do direito de aprimorar nossas habilidades de imaginação e reflexão abstrata para levar uma enxurrada de números complexos e textos científicos no lugar. Não que eles não sejam importantes para crescermos e aprendermos mais coisas, esse é o curso mais natural da aprendizagem na lógica capitalista em que vivemos (estudar cada vez mais para conseguir empregos cada vez melhores para ganhar cada vez mais dinheiro). Agora, tirar a magia da fantasia das nossas cabeças chega a ser cruel. Como é que adultos desacreditados da fantasia, que foram ensinados que é uma perda de tempo, vão conseguir ensinar seus filhos a acreditarem nela?
O ritmo crescente em que a sociedade se encontra cria crianças cada vez mais novas tendo a agenda cheia de atividades ditas “úteis” para sua formação, como curso de línguas + esporte + reforço escolar, sem deixar um horário livre de puro ócio, para que elas possam viver sua infância do seu jeito. Estamos criando crianças cada vez mais “adultizadas”, crianças que desacreditam cada vez mais cedo em princesas, Papai Noel e outros personagens que fizeram sucesso na nossa infância, e mais ainda na de nossos pais, e ainda mais na dos nossos avós, bisavós, etc. Seus pais não tem tempo de sentar para ler um bom livro e “perder tempo” conversando sobre suas ilustrações, e a escola também não tem tempo porque está preparando os alunos cada vez mais cedo para o vestibular. Essa é a vida da maioria das crianças na nossa atualidade, que acreditam cada vez menos que possa existir tempo livre para o ócio, para apenas pensar, refletir e fantasiar, sem horário nem cobrança.

O papel das ilustrações é claro para a formação da imaginação e da cognição das crianças, mas elas estão aos poucos sendo banidas do nosso cotidiano. Foram substituídas pelas imagens nos programas de televisão e no computador, alguns podem argumentar. Mas não é a mesma coisa. Uma imagem que passa rapidamente, sem necessidade árdua de interpretação e crítica, não é igual a outra que possui elementos simbólicos que precisam ser refletidos e relacionados com o que se conta na história. Agora caímos numa pergunta mais difícil ainda: por que então a televisão e o computador são tão aclamados atualmente, e um livro ilustrado começa a ser considerado perda de tempo para crianças que já começaram a estudar? Não sei se encontraria a resposta.

Contos,cantos e encantos: Dica de Leitura

Contos,cantos e encantos: Dica de Leitura: Há dias que começam diminutos e vão ganhando o seu sustenido pelas surpresas que nos reservam, pelas alegrias que batem à porta! Assim ...

terça-feira, 10 de abril de 2012

Ler imagens


Resenha:  Carcamo, Gonzalo (2000). Modelo Vivo, Natureza Morta. São Paulo: Paulus.

Por Pedro Bonaldo[1]


          A obra de que quero falar hoje contém apenas imagens. Gostei particularmente deste livro porque ele difere radicalmente da perspectiva adotada por muitos livros paradidáticos em que a representação do que está escrito é redundante, sendo apenas ilustração ponto-a-ponto do texto. Acho que este livro, a partir do momento que só traz imagens, nos obriga a prestar muita atenção naquilo que está sendo contado a partir delas. Depois, nos cativa a ir além da história e começar a pensar na nossa vida. Em um mundo em que a imagem e texto são tão presentificadas, seja pela internet ou televisão, este livro nos convida a adotar uma perspectiva diferente, a olharmos para a imagem e começarmos a pensar sobre ela.  É um pouco a ideia de se olhar um quadro e de tentar ir além do que se apresenta imediatamente.

     Livros que em que predomina a imagem podem causar, paradoxalmente, uma dificuldade de compreensão. A imagem, ao contrário do que se costuma pensar, não se “dá” ao entendimento de forma imediata. É muito comum que tanto os adultos como as crianças sintam dificuldade ao “ler” as imagens, até pelo fato de que nossa alfabetização, principalmente no Brasil, foca muito pouco na leitura de imagens e sim na leitura de textos escritos (Ramos, 2011). Para entendermos um livro de imagens precisamos aprender a olhar, ou seja, ir além de captar a imagem com os olhos, que é uma atividade física, e ir para uma atividade mental de absorvemos e compreendemos o examinado. Desta forma, o olhar será a soma e o resultado de aspectos físicos, psicológicos, de percepção e de criação. Utilizarei os termos “primeira leitura” e “segunda leitura” para mostrar o movimento que o leitor tem ao entrar em contato com o livro.
            Na primeira leitura, pela interpretação das imagens, somos capturados pela beleza das ilustrações produzidas pelo autor. Percorrendo as páginas, podemos compreender a história de um artista preocupado com o meio ambiente e a de um caçador que adora exibir suas caças, mesmo que isto implique na destruição da natureza. À medida que o caçador vai devastando o meio ambiente, o artista sempre precisa ir mudando o foco de suas pinturas, à procura de temas ainda não destruídos pelo caçador. Numa primeira leitura isto pode ser apreendido.

Numa segunda leitura mais atenta, podemos pensar este livro como uma sutil e ao mesmo tempo marcante defesa do meio ambiente. Talvez mais importante do que isso, no entanto, seja a reflexão sobre como nossas escolhas podem afetar a vida e o trabalho dos outros. Como mostrado no livro, a atividade do caçador, de ir matando um animal atrás do outro, fez com que o pintor perdesse o que pintar.  Mesmo quando muda o seu objeto para uma árvore, esta logo é destruída, nos levando a pensar que, um dia, ele não terá mais nada para pintar assim como, se a natureza continuar sendo destruída, um dia não teremos mais história para contar. Obviamente, dá para brincar bastante com as expressões Natureza Viva/Natureza Morta. Vemos os dois da transformação da natureza pelo homem, que eterniza na tela e o que eterniza matando. Duas formas de apropriação que têm consequências muito distintas. Momentos irônicos da história fazem pensar, como aquele em que o caçador mata o urso para fazer um tapete e ainda compra o quadro do pintor que retrata esse mesmo urso.
O livro pode ser trabalhado tanto com crianças quanto com  adultos pois as imagens não são de difícil compreensão, embora uma leitura mais metafórica possa exigir um pensamento mais atento, visto que o livro pode ser interpretado de diversas maneiras. Li o livro todo e depois dei para meu irmão ler, e é interessante como a compreensão da história é de fato a mesma só que conforme vamos para uma leitura mais metafórica começamos a notar coisas diferentes sobre possíveis mensagens da história. Essa é a riqueza de um livro com só imagens, principalmente tão poético como este. Há livros só de imagens que não dão muita margem para diversas interpretações, mas esse dá a chance de cada pessoa ver algo diferente e expressar isso.
Referência:
Ramos, G (2011). A imagem nos livros infantis. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Leitura Recomendada:
Aguiar (2009). O que é qualidade em literatura infantil? São Paulo: Escala Educacional



[1] Texto produzido na disciplina Tópicos Especiais em Aprendizagem: Literatura, Infância e Aprendizagem, ministrado pela Professora Eileen Pfeiffer Flores durante o Segundo Semestre de 2011.