terça-feira, 12 de julho de 2011

Voa, Papagaio!

Domingo passado, fomos à nova Feira da Torre. Lá, passamos por uma barraquinha que vendia pipas e meu filho olhou encantado para as estruturas cobertas com papel-seda colorido.
- Mamãe, podemos comprar uma?
- mmm... Eu não sei soltar pipa...
Ao que o artesão responsável por aqueles belos papagaios respondeu:
- Senhora, não se preocupe, não tem essa de precisar saber nada não, é só soltar!
Enquanto arrumava a pipa escolhida (“quero essa,  de avião!!”), esse senhor disse a meu filho:
- Você vai ver como é bom!! Quando eu era pequeno, minha mãe não me deixava soltar, dizia : “Não vai soltar pipa não, isso é coisa de desocupado!!” E eu ficava trancado em casa.
A rabiola ficou pronta. O artesão abandonou sua lojinha e saiu correndo com meu filho para o centro da praça, onde soltaram a pipa que logo começou a tremular alegremente no vento perfeito daquele domingo. O artesão, alheio à pequena fila que se formava em frente à sua barraca,  guiava a mão de meu filho. No rosto do pequeno, brilhava um sorriso sem par. 
Ao voltar, o artesão comentou conosco:
- Hoje, se tivesse soltado pipa, eu poderia estar montando até aviões de verdade e outras coisas, não é mesmo? Mas minha mãe tinha aquelas idéias fechadas... Pois eu prometi para mim mesmo que, quando crescesse, iria me dedicar a dar a outras crianças a alegria que eu não tive...”
Fiquei pensando nessa criança que não era autorizada a brincar e isso me levou à questão do contar histórias. Daniel Pennac[1] escreve que é muito irônico que tenhamos que impor às crianças a leitura, pois nas gerações anteriores era muito mais freqüente acontecer o contrário. Nós ouvíamos coisas como “Pare de ler, vai ficar doido igual o maluco da praça, ele ficou louco de tanto ficar no meio dos livros, sabia??” Soltar pipas e soltar a imaginação na leitura eram “coisas de desocupados”, ou de loucos.
Não proibimos nossas crianças de brincar, muito menos de ler, pelo contrário, agora ficamos vigiando para ver se a criança está lendo e brincando.  Com tantos textos psicológicos e pedagógicos falando da importância do ler e do brincar na infância, passamos da proibição à obrigação. Mas se brincamos com fins pedagógicos, estamos realmente brincando? Se lemos como pretexto para testar o que foi aprendido, estamos formando um leitor? 
Olhei para o papagaio no alto. Uma obra de arte: equilíbrio impecável, vôo perfeito. Mas esse Bert brasiliense não se limitou a vender um belo papagaio. Sutil e gratuitamente, lembrou-me da leveza necessária. Obrigada!
Eileen Pfeiffer Flores
Dick Van Dyke como Bert (Mary Poppins, 1968).


PENNAC, Daniel (1998). Como um Romance. Tradução de Leny Werneck. 4ªed. Rio de Janeiro: Rocco.


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