sábado, 2 de maio de 2015

Reflexões sobre a leitura dialógica


          Pai, me conta uma história? Mas eu quero uma história de verdade, pode ser de boca ou pode ser de livro! Por favor!”. Mas meu pai sempre me contava a mesma história, vocês querem conhecê-la? Era assim:

                “Era uma vez, dois polacos e um francês,
                Que depois de uma bebedeira, foram parar no xadrez!
                Quer que eu te conte outra vez?” 

           É engraçadinha nas primeiras 50 vezes, mas depois fica um tanto frustrante. O que eu queria mesmo era uma boa história.
          À caminho da nossa primeira contação, eu e minha parceira estávamos conversando sobre nossas experiências com histórias na infância. Ou melhor sobre nossa inexperiência ou nossa “desmemória”. 
         Eis que eu não tenho nenhuma lembrança dos meus pais lendo para mim, o que é assustador, pois lembro que tinha uma pá de livros infantis! Meus pais não leram muito para minha irmã mais nova também – e eu me arrependo de não ter aproveitado essa oportunidade. Minha parceira, também compartilhou essas vivências, com a diferença que na primeira semana do projeto, ela escolheu um livro e fez uma leitura dialógica para sua irmã. <3
                                        
                                      
                                      (http://feliciafleck.com/site/wp-content/uploads/2014/01/contador_hist6.jpg)
                                                             
          Esse texto tem duas funções principais:
1)     Não ter tido vivência de contações dialógicas ou tradicionais na infância não é um impedimento para você ser um mediador de leitura. Também não é um impedimento para você ser um ótimo mediador!
2)     Não é porque a criança foi alfabetizada que a contação dialógica perde sua graça ou função. Muito pelo contrário!

Ao primeiro tópico!
É comum nos sentirmos inseguros quando vamos fazer algo novo, que nunca tivemos experiência. Muitos dos nossos mediadores entraram no projeto com pouco conhecimento da leitura dialógica, e outros ainda – como eu e minha colega – sem vivências até da contação tradicional (entenda aqui como leitura em voz alta de um livro para alguém). As primeiras semanas são de grande inquietação e insegurança, mas aos poucos descobrimos que a experiência nos ajuda, mas que não é essencial para uma boa mediação.
         Temos no nosso blog várias postagens com dicas práticas de como introduzir a leitura dialógica, convido a quem não leu dar uma visitada em postagens anteriores. Há, também, nossa revista eletrônica, feita com carinho para atender essas demandas (link da nossa revista:
         Contudo, antes de ir para as técnicas, reflexões e dicas, tenha uma coisa em mente. Para uma boa mediação de leitura é preciso alguns elementos muito importantes: duas ou mais pessoas; uma obra literária de qualquer tipo, gosto ou tamanho; vínculo e escuta.
         
      
    Para ser mediador, temos que saber ouvir. Ouvir e escutar. Na psicologia existe um conceito chamado escuta ativa, que implica compreender e responder ao que está sendo dito. De modo simples, o mediador tem que ter uma atitude aberta e empática com seus mediados. Essa postura é anterior à técnica, embora possa ser treinada e refinada por meio da experiência.


(http://images.clipartpanda.com/bedtime-clipart-bedtime-story.jpg)


Vamos então ao segundo tópico.
Infelizmente é comum que as contações de história terminem quando a criança é alfabetizada. Há prováveis motivos para isso acontecer, alguns deles estão diretamente relacionadas com uma má interpretação da leitura dialógica e suas funções.
Para muitas pessoas a única razão para se ler para uma criança é estimular um comportamento/interesse de leitura no futuro. Alguns ainda justificam dizendo que isso melhorará seu rendimento escolar – ou para se dar bem na prova do Enem! Se um pai ou educador lê para criança tendo em vista apenas esses objetivos, faz sentido pensar que a contação vai terminar assim que a criança for capaz de ler. Agora ela tem que treinar essa habilidade, se tornar expert. E se ela pedir para o adulto ler algo é por que ela está com preguiça.
Não pensemos assim! Novamente, convido aos leitores a explorarem nossas postagens, temos diversos relatos de mediadores que falam de suas experiências e frutos com a mediação. Antes de acadêmicos ou profissionais, a vivência com a leitura dialógica nos permite criar cidadãos.
A leitura dialógica permite múltiplas leituras de uma mesma obra, não existe “o que o autor quis dizer com isso?”, mas sim “isso faz sentido para vocês?” ou “o que vocês entendem com isso?”. Ela permite que saiamos do campo do óbvio e claro e acessemos interpretações que fazem mais sentido para nós e conceitos mais abstratos. Podemos viajar pela América do Sul, podemos ver uma baleia no quintal, podemos aprender a ser mais presentes e gentis com nossos amigos e nós mesmos.

Why Bedtime Stories Are So Important
  (http://blog.novakdjokovicfoundation.org/parenting-tips/why-bedtime-stories-are-so-important/)

Aos professores, vale o lembrete de que a leitura dialógica planeja ser aberta a construção de sentido e experiências do aluno, assim, é perigoso se cristalizar em uma única temática por livro. Ao mesmo tempo, uma leitura mais trabalhada permite que aprendamos de maneira mais agradável e construtiva. Para abordar cidadania ou desenvolvimento sustentável, por exemplo, não precisamos de um livro que tenha discriminado esses termos no título, em nossa experiência, esses livros até atrapalham.  Para temas assim, mas importante do que o livro, é a escuta do professor, ele deve estar atento ao que as crianças dizem e constroem acerca do tema para que possa fazer intervenções que integrem suas vivências e reflexões.
Aos pais, um pedido pessoal e íntimo, por favor, contem histórias para seus filhos, histórias de verdade, não precisam ser compridas, podem ser de boca ou de livro, mas contem! Aproveitem a leitura dialógica para conhecer mais seu filho, o que ele acredita e deseja.
Enganamos-nos quando tentamos nos convencer que antes de dormir é o único horário possível para uma contação de história, principalmente nos dias corridos, pais e crianças ficam mais de 8 horas trabalhando! A leitura dialógica exige um investimento de energia, porque exige com que estejamos presentes no momento e atentos. Se somos capazes de viver outras realidades através dos livros, tenho certeza de que somos capazes de criar novas rotinas e descobrir qual o momento mais proveitoso e prazeroso para uma leitura com nossos filhos.   

     Para os pais mediadores, fica esse convite. Afinal, talvez uma das maiores vantagens da contação dialógica seja oportunizar um momento de escuta, acolhimento e troca. É oportunidade para conhecer ainda mais seu filho e estar imerso em um ambiente de afetividade e co-criação.

      
                                                                                                               


(http://sr.photos3.fotosearch.com/bthumb/CSP/CSP992/k13853847)




Escrito por: Júlia Gisler

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