quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Refletindo o amor pela leitura com "Como um romance", de Daniel Pennac


     O tema principal do livro “Como um romance” de Daniel Pennac traz uma discussão diferenciada sobre a leitura, ou melhor, sobre o amor pela leitura. Paradoxalmente a esse ponto central, são tratados temas que levam ao “não gostar de ler”, procurando-se assim, as causas que nos tiraram, em algum momento, do caminho de leitor. A história relaciona fases da nossa vida, de uma forma não linear, e nosso contato com a leitura: a infância, em que somos leitores, mesmo que essa leitura seja feita pelos pais, propiciando momentos de prazer compartilhado; e a adolescência, em que a leitura se torna tão difícil e arrastada, perdendo a conotação de prazer para ser comparada a uma obrigação como outra qualquer, levando à quebra do nosso amor construído na infância.
     A primeira frase do livro me fez refletir bastante sobre o imperativo que tornamos o ler. Essa relação ler + exigência é impossível, assim como não há como se exigir que alguém ame ou sonhe. Dessa forma, tentamos tirar o sublime da leitura, como se isso fosse capaz, desconsiderando que a leitura é realmente um pacto de confiança que só o leitor pode fazer, sem que ninguém o mande, assim como o pacto com o amor e com o sonho.
    A parte do livro que traz a discussão dos pais sobre a leitura X novas tecnologias me deu um grande alívio. Essa noção de que a leitura está perdendo seu lugar é tão disseminada que acabamos concordando passivamente com ela, principalmente quando não entendemos qual a função do livro e seu potencial de encantamento. Mas essa parte do livro traz a noção de que há vários outros aspectos relacionados à leitura, questões emocionais, que não conseguem ser abarcadas pela internet ou a TV. Os pais então, não consideram a grande importância que tem a leitura que fazem com seus filhos, “o momento de paz” que tem ao final do dia contando uma história, e acham que a ruptura desse momento não vai ter reflexos no hábito da leitura da criança. E quando isso acontece, têm um álibi: as novas formas de entretenimento; apesar de saberem, lá no fundo, que tiveram alguma parcela no peso que o livro se tornou para o filho quando ele foi abandonado sozinho com a leitura.
     Isso me lembra uma frase bem interessante que Pennac evoca no livro: “A gente queria ser livre e se sente abandonada”. Isso reflete bem o sentimento da criança ao aprender a ler e os pais desconectarem, sem consentimento do filho, os momentos que tinham juntos. Uma grande traição. Às vezes, até por pensarem que seria o melhor para o desenvolvimento do filho, e se convencerem, com a empolgação do aprender a ler, que a criança “não precisa mais” deles. E quando é mesmo que um filho não precisa mais de um momento de compartilhamento com o pai?
     Quanto à leitura em voz alta, o texto traz uma passagem muito bonita: “O homem que lê em voz alta nos eleva à altura do livro. Ele se dá, verdadeiramente, a ler!”. Tive uma nova experiência de ler em voz alta com esse livro, apesar de inicialmente ter achado estranho. Mas essa passagem e as novas sensações me convenceram que isso realmente me colocou, verdadeiramente, a ler. É uma sensação nova de vivenciar o livro, a cada palavra, no corpo, com a própria voz. E se sentir elevado, à altura do livro.
     Um dos pontos mais interessantes, na minha opinião, foi o que trata da leitura como uma ação que tem um caminho determinado, que deve ser seguido por todos da mesma forma. Essa temática foi bem abordada na parte que trata do professor que mostrou aos alunos como ler e aprender de uma forma diferente (reflexão: O uso da palavra “diferente” parece trazer um tom de ilegalidade sempre, de “fora do padrão”). Uma passagem do livro revela que “com ele a cultura deixava de ser uma religião de Estado e o balcão de um bar era uma tribuna tão aceitável quanto um estrado de sala de aula”. Isso me fez pensar sobre a falta de importância que damos ao aprendizado informal, que na maioria das vezes é mais efetivo que o formal, pois parece estar associado ao prazer da falta de cobrança. A sociedade mostra essa exacerbada preocupação em aprender o teórico, o formal, e que as relações e o aprendizado cotidiano pouco têm a oferecer. E isso, na verdade, não é a base para sermos o que somos? Não é nas nossas conversas cotidianas que estipulamos novas formas de pensar e agir? O aprendizado informal, tão marginalizado e essencial para o desenvolvimento!
     Ainda sobre esse “professor mito” tratado no texto, uma passagem me fez refletir sobre a forma de leitura a que nós somos expostos: “Só que não nos entregava a literatura num conta-gotas analítico, ele a servia a nós em copos transbordantes, generosamente”. A literatura parece que sempre nos é entregue e exigida pouco a pouco, e que precisamos sempre analisá-la minuciosamente para que nada nos escape. Voltando à primeira comparação feita no livro do “ler” com o “amor”, será que conseguimos amar assim? À conta-gotas? O que seria do amor sem a avalanche de sentimentos, que nem sempre sabemos quais são?! A leitura entregue em copos transbordantes não tem medo que algo seja perdido, mas é aproveitada ao máximo possível. E de alguma forma apreendemos mais do que pensávamos ser capazes, um turbilhão de conteúdos que nem sempre processamos conscientemente, mas que estão lá.
     Quanto aos direitos que o livro atribui ao leitor: Obrigada Pennac! Porque nunca tinham me dito isso antes? Parecem ser direitos conhecidos e banais, mas acho que é o tipo de informação que precisa ser lida para ser compreendida. Fiquei muito aliviada e me senti representada, de alguma forma. Foi muito bom saber que todos os leitores nem sempre conseguem ler até o final, e que algumas vezes é permitido sim pular páginas. Esses direitos tornam a relação com a leitura amigável e não, como às vezes nos é passado, de tirania.
      Esse livro foi um grande marco para mim. Identifiquei-me com muitas partes, me vi na criança, me vi no adolescente e desejei imensamente ter um professor que conseguiu reatar alguns de seus alunos com a leitura. Mesmo lendo, uma literatura aqui e outra ali, textos acadêmicos e etc, sinto que minha relação com a leitura estava abalada há muito tempo. E foi bom repensá-la um pouco, senti-la novamente com emoção.

Um comentário:

Ciomara disse...

O texto aborda o amor pela leitura fazendo uma revivência da infância e a relação que estabelecemos com o ato de ler. Tanto este fato está atrelado ao nosso contato afetivo com o pai ou a mãe que lê com o filho, como está naquela possibilidade de ver uma porta se abrindo na fantasia infantil para encontrar um mundo à parte daquilo que estávamos vivenciando sem entender bem o por que. Lindo texto.