segunda-feira, 20 de março de 2017

Você precisa conhecer Pippi Meialonga

Pippi Meialonga (nome completo Pippilotta Comilança Veneziana Bala-de-Goma Filhefraim Meialonga) tem nove anos e é a menina mais forte do mundo. Tem duas tranças cor de cenoura e o rosto todo salpicado de sardas. Seu vestido é feito por ela mesma e todo cheio de retalhos coloridos. Pippi mora na Vila Vilekula, uma casinha situada numa cidadezinha muito, muito pequenina,  com o Sr. Nilson (um macaquinho) e um cavalo que fica no terraço. Ninguém mais. Muito melhor assim, pois "ninguém vinha dizer a ela que estava na hora de ir para a cama no exato instante em que ela estava se divertindo mais, e ninguém a mandava tomar óleo de fígado de bacalhau quando ela estava com vontade de chupar uma bala".

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Seu pai, Efraim Meialonga, é um capitão que navega os sete mares. Sua mãe está no céu. Seus vizinhos Aninha e Tom são duas crianças muito certinhas, penteadas e limpinhas para quem, depois que fazem amizade com Pippi, a vida nunca mais será igual. Pippi tem uma árvore que serve limonada geladinha (que os pequenos leitores rapidamente desconfiam ser colocada no oco da árvore pela própria Pippi), uma gaveta cheia de maravilhas trazidas de suas viagens com o pai que prontamente compartilha e mil aventuras malucas na manga. Divertida e nunca igual, não leva desaforo para casa, enfrentando valentões de todo tipo (inclusive dois policiais muito agressivos e cínicos terminam sendo lançados ao telhado da casa após testar continuamente a paciência de nossa heroína). Pippi dorme com os pés no travesseiro, organiza aventuras sensacionais, faz faxina patinando com dois escovões no pé e aproveita cada momento da vida com um entusiasmo contagiante. Faz as coisas do jeito dela, sempre causando o maior estranhamento, ao que responde, invariavelmente, com uma história fantástica sobre um lugar distante que ela teria conhecido em que as pessoas fazem as coisas exatamente assim, deixando Tom e Aninha (e os pequenos leitores) com a pulga atrás da orelha e pensando que, sim, as coisas podem ser diferentes em outros lugares e tempos e as convenções não são eternas nem imutáveis.  

Assim como para Tom e Aninha, minha vida mudou quando Pippi fez sua entrada triunfal em meu coração. É tão difícil escolher um trecho, dentre tantos maravilhosos, para mostrar o quanto essa menininha nos arrebata com sua espontaneidade e perspicácia. O trecho que escolhi expressa o amor-próprio da menina, relacionado a uma característica que, na época em que se passa a história, era considerada um grande defeito estético, que exigia tratamentos cosméticos prolongados. As três crianças estão passeando e Pippi vê algo na vitrine de uma perfumaria:


"A vitrine mostrava um grande pote de creme anti-sardas e, ao lado do pote, uma tabuleta com a pergunta: "VOCÊ SOFRE DE SARDAS?".
- O que está escrito ali - quis saber Pippi. Ela quase não sabia ler, pois não queria ir à escola como as outras crianças.
- Está escrito: "Você sofre de sardas?"- disse Aninha.
- Ah, é? Interessante… - disse Pippi, pensativa. - Bem, uma pergunta educada exige uma resposta educada. Vamos entrar!
A menina empurrou a porta e entrou, seguida de perto por Tom e Aninha. Atrás do balcão estava uma senhora de certa idade. Pippi foi direto para ela.
- Não! - disse, em tom decidido.
- O que você quer? - perguntou a senhora.
- Não! - repetiu Pippi.
- Não entendo o que você está tentando me dizer - disse a senhora.
- Não, eu não sofro de sardas - disse Pippi.
Agora sim, a senhora entendeu. Mas, depois de dar uma olhada para Pippi, ela comentou:
- Mas minha querida menina, seu rosto é completamente coberto de sardas!
- É mesmo! - respondeu Pippi. - Mas eu não sofro com elas. Eu gosto delas! Até logo!
Quando chegou à porta, Pippi olhou para trás e gritou:
- Mas se aparecer algum creme que aumente as sardas, por favor, mande entregar sete ou oito potes lá em casa!".


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Quem me apresentou Pippi foi minha mãe (O livro foi publicado no ano em que ela nasceu: 1945). Lá em casa, toda a criançada já riu, se encantou e empoderou com as peripécias dessa grande menininha criada pela genial Astrid Lindgren (não é à toa que o maior prêmio mundial de literatura infanto-juvenil leva seu nome).

Quando eu ia dormir, pensava em Pippi, no silêncio da Vila Vilekula, com os pés no travesseiro, cantando melodias de ninar para si mesma. Eu, do outro lado desse sonho literário, com meus pais por perto, sentia um pouco de tristeza ao pensar em Pippi tão sozinha. Ao mesmo tempo, entendia, de alguma maneira, que há uma solidão que sempre irá nos acompanhar. Ainda bem que Pippi me ensinou que isso não precisa ser ruim e que, dentro de nós, podemos encontrar generosidade, alegria de viver e uma força descomunal que nem imaginávamos ser possível.


Escrito por: Eileen Pfeiffer
Ficha Técnica:
Título: Pippi Meialonga
Autora: Astrid Lindgren
Ilustrações: Lauren Child
Tradução do sueco: Maria de Macedo
Editora: Astrid Lindgren
Ano: 2008 (publicado pela primeira vez na Suécia em 1945).

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