No dia 1º de agosto do ano passado eu vivia uma das maiores
perdas da minha vida. Praticamente no exato momento em que eu me despedia da
minha mãe, em um hospital, eu recebia por mensagem via celular um convite da
querida amiga Eileen Flores, que nada sabia sobre o que eu estava passando. Ela
estava me convidando para substituí-la temporariamente, por três meses, na
coordenação do projeto de extensão “Livros Abertos: aqui todos contam!”, do
qual eu já era admiradora.
Naquele turbilhão de emoções, como é do meu feitio, encarei
o convite como um presente, da Eileen e do destino. Eu não queria achar que era
só uma coincidência, mas que seria uma oportunidade para me fortalecer. Dias
depois conversamos pessoalmente e eu decidi abraçar a oportunidade, ciente de que
não seriam dias fáceis os que eu viveria naquele momento – não pelo projeto,
mas pelo meu luto.
Assumi a coordenação, substituindo quem é insubstituível,
ocupando uma função sabendo que viriam resistências, comparações, mas também
viria acolhimento e aprendizagem. E foi
tudo isso mesmo. Fizemos inúmeras reuniões previstas no cronograma do projeto,
pensamos em pautas, recebemos convidados. Eu adiei alguns dos meus
planejamentos para o grupo, não consegui visitar escolas ou realizar mediações.
Planejamos e realizamos eventos diversos, incluindo a programação da Semana de
Extensão e dialogamos, tanto quanto possível, sobre o que estávamos fazendo bem
e o que poderíamos melhorar. Conheci inúmeras histórias infanto-juvenis, mas
muitas outras das pessoas que estavam ali, toda quinta-feira ao meio-dia.
Chegou o dia, então, de me despedir. Em dezembro preparei
uma mediação para a última reunião em
que eu participaria e compartilho a
poesia que escolhi, a seguir:
Sentirei Saudades
Do pátio escuro,
Do cinzento do muro
Eu sentirei saudades...
Da briga das tias,
Da alegria dos colegas,
Sentirei saudades...
Das salas arejadas,
Do quadro verde como a grama,
Sentirei saudades...
Das novas lições
E das provas bimestrais,
Sentirei saudades...
Dos lanches gostosos,
Das serventes amorosas,
Sentirei saudades...
Do Ginaldo engraçado,
Da diretora alegre,
Do apoio pedagógico,
Sentirei saudades...
Da secretária amiga,
Das horas cívicas bonitas,
Sentirei saudades...
Se eu me esqueci de alguém,
Desculpe-me...
Mas de tudo sentirei saudades.
Após a leitura, perguntei: por
quem essa poesia parece ter sido escrita?
Vários extensionistas, para minha
surpresa, tiveram a impressão de que ela teria sido escrita por uma pessoa
adulta ou idosa, lembrando-se de uma escola da qual havia se despedido em algum
momento de sua vida.
Por que me surpreendi? Porque
essa poesia foi escrita por uma criança, aos dez anos de idade, quando se
despedia da escola em que havia estudado por cinco anos (da antiga pré-escola à
4ª série do ensino fundamental).
Conversamos um pouco e revelei ao
grupo que essa “criança-autora” ou “criança-poetisa”, havia sido... eu!
E então, como toda mediação
literária, veio o mais interessante. Eu compartilhei o quanto esta poesia foi
importante para mim, acredito que como forma de lidar com as dificuldades de
mudança de escola que eu vivia no momento, mas também como elaboração escrita.
Lembro-me o quanto ela foi valorizada na escola, na minha família. Essa
primeira produção poética me fez acreditar que eu podia me atrever com as
palavras escritas e ela me levou adiante. Enfatizei o que o trabalho dos
mediadores do projeto podem estar possibilitando para inúmeras crianças e
adolescentes, mesmo sem que percebam este alcance.
Conversamos um pouco mais também
sobre os estilos diversos de escrita. Como é difícil conciliar esse gosto ou
facilidade por escrever poeticamente, ou em prosa, ou em crônica, quando
estamos na academia e somos chamados a responder a partir da literatura
científica, técnica. Um eterno dilema, uma luta diária que travo comigo mesma.
Perguntaram se eu ainda escrevo
poesias. Fiquei envergonhada! Sim, ainda escrevo, muito timidamente, em relação
à quantidade e divulgação. Acredito que transferi minha experiência poética
para o interesse em relação à brincadeira infantil, atividade que me apaixona e
que não me deixou amarras quanto à timidez. Sou capaz de teorizar, estudar,
observar a brincadeira e ainda brincar!
Nesta reunião eu agradeci a
oportunidade de ter estado com o grupo naquele semestre tão difícil. Tive
certeza de que a coordenação não foi um trabalho a mais diante do luto, mas foi
um dos elementos que me tirou da possibilidade de me ver vencida pela dor que
eu sentia.
Em reunião posterior com a Eileen
eu compartilhei com ela um pouco de tudo isso e pedi para ficar, de alguma
forma. Assim, estou aqui, neste momento, cumprindo a promessa de escrever este
texto para o Blog e acompanhando, ainda que de longe, graças à tecnologia, discussões,
organizações, movimentos de resistência e beleza.
Semestre que vem me
reaproximarei.
Obrigada, Eileen! Obrigada,
Livros Abertos!
Vocês me ajudaram a lidar com uma
saudade sem fim.
P.S. 1- A Poesia foi escrita
quando eu ainda me chamava Gabriela Sousa de Melo
P.S. 2 – Eu ainda tenho o
original, escrita com minha letra cursiva e um desenho de coração ao fundo.
Escrito por Gabriela Sousa de Melo
Mieto
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