A Gramática ou a Vida
Professora,
não dá pra levar a sério este livro de português da minha filha ! Simplesmente não tem relevância alguma, neste momento da vida dela, saber que alguns estudiosos da língua criaram uma teoria que diz que nossa fala é recheada de frases declarativas, exclamativas e interrogativas !
Pedi a ela que fosse até a janela e me dissesse como estava o céu. Ela foi, olhou pro céu, voltou pro quarto e declarou que o céu tinha uma nuvem grande e escura e que apareceu um pouco de azul entre algumas nuvens. Disse que ela acabara de fazer uma declaração. “E daí ?” ela me perguntou. Ela tem toda razão. De fato, de nada serve este tipo de conhecimento teórico de gramática para quem precisa ler um gibi, um poema. À medida que ela ler mais e mais gibis irá ganhar cancha de leitura de gibis.
Não gostaria de sobrecarregar minha filha com informação inútil (inútil para este momento da vida, obviamente ! Creio que este tipo de informação é muito relevante para o estudante.... universitário, por exemplo). A questão central de fato é que minha filha precisa aprender a amar os livros, a contação de estórias, os poemas do Vinícius de Moraes, admirar as frases de efeito do Guimarães Rosa (“o nada é um balão sem a pele”), inventar palavras e escrever as palavras que ela inventar. Em relação a este ponto crítico, as informações contidas no livro de português são de uma irrelevância que não tem tamanho ! Conversei com a Diretora e a Coordenadora que disseram entender minha posição e que vão pensar sobre o assunto. Sei que várias escolas aqui em Brasília adotam este livro. Penso com meus botões sobre a falta de ousadia das escolas: o mesmo livro, o mesmo caminho, a mesma rota marítima diante de um mar de possibilidades. Se um barco encontrar um iceberg pela frente... Meu coração gelou quando vi que num determinado trecho do livro tem uma página de revista em quadrinhos e, a seguir, vem uma batalhão de perguntas para “compreender o texto”. Na verdade, são perguntas pensadas para “matar a vontade de gostar de ler gibis” em qualquer criança. É um crime contra a revista em quadrinhos. Pra mim que fui criado lendo gibis é impossível fazer este tipo de “autópsia” de uma estorinha em quadrinhos.
Querida, Professora,
Solicito uma tarefa alternativa. Por exemplo, o "dever de casa" poderia ser assim:
"Leia 3 revistinha bem lidas com sua filha. Lembre-se que a revistinha precisa ser bem lida, isto é, você tem que ler como se tivesse 7 anos e acabou de comprar a revista na banca. É uma revista de que você gosta e você sorri, admira os desenhos bem feitos, aponta a semelhança com a linguagem do cinema, etc. Depois disso você emenda uma estória que você viveu por causa de uma revistinha em quadrinhos."
Você pode passar um dever assim ?
Você pode passar um dever assim ?
* Domingos Sávio Coelho é professor da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto Circulo de Cultura Surda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário