sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019


Diário de campo 

- Como um Romance e EJA








O primeiro direito do leitor, apresentado por Daniel Pennac, é o direito de não ler. Soa estranho, já que estamos tão acostumados com o discurso de que todos deveriam ler, pois a leitura é maravilhosa, nos leva aos locais mais incríveis, eleva nossa alma... porque é assim que nos tornaremos seres humanos incríveis... E, sem perceber, esse discurso nos afasta de todo o sentido da leitura, tornando-a uma obrigação, algo quase religioso, de modo que se você não faz parte desse seleto grupo, você não compreende a existência e nunca será iluminado pelas letras.


“Mas evitemos vincular a esse teorema o corolário segundo o qual todo indivíduo que não lê poderia ser considerado, em princípio, como um bruto potencial ou um absoluto cretino. Nesse caso, faremos a leitura passar por obrigação moral, o que é o começo de uma escalada que nos levará em seguida à “moralidade” dos livros, em função de critérios que não terão qualquer respeito por essa outra liberdade inalienável: a liberdade de criar. E então os brutos seremos nós, por mais “leitores” que sejamos. E sabe Deus que não faltam brutos dessa espécie, no mundo.”

Essa é uma reflexão trazida pelo livro “Como um Romance” que me tocou muito na experiência que tive com a leitura dialógica na EJA. Ao chegar com um livro, ele num primeiro momento causa um certo espanto. Não por ser algo que não faz parte do cotidiano, muito pelo contrário, por estar presente de forma tão opressora. Como aquele que não se pode ler até ser alguém muito intelectual e estudado. Aquele que foi negado por tantos caminhos diferentes que cada um viveu, dos quais a escola e a leitura não podiam fazer parte naquele momento.

“Deixado por conta da escola, ele se crê bem depressa um pária da leitura. Imagina que “ler” é em si mesmo um ato de elite e se priva de livros por toda a vida por não ter sabido falar deles quando lhe era perguntado.Existe, então, ainda outra coisa a se “compreender”. ”“Resta “compreender” que os livros não foram escritos para que meu filho, minha filha, os jovens os comentem, mas para que, se o coração lhes mandar, eles os leiam.” (Daniel Pennac- Como um Romance).

Chegar com o livro, sem exigir uma "tarefa" depois e principalmente sem prepotência nem julgamento. Simplesmente como um meio de estar juntos e compartilhar uma história. Não só uma na verdade, mas várias, a história de cada um/a, valorizada tal qual a história escrita naquele papel. Ali sim, aconteceu essa magia da leitura. Esse mistério que tem se desvirtuado, mas reencontra seu caminho por meio dessas experiências simples e poderosas de encontros verdadeiros. Porque não faz sentido só dizer que o livro é maravilhoso, pois isso não faz sentir. Vejo a importância de compartilhar leitura não só na infância, não só no contexto escolar, mas de forma ampla, assim podemos sentir a leitura, sem lugar ou protocolos, mas com verdade e encontro.


Escrito por Raquel Freire Coêlho