sexta-feira, 25 de maio de 2018

Rodas dialógicas com jovens surdos: relatos de uma mediadora de leitura.




                Ok, sejamos francas: eu não entrei no Livros Abertos pensando em contar para adultos, minha vontade mesmo era estar junto das crianças. Mas aceitei o desafio e acabei parando no grupo de mediadores da Educação de Jovens e Adultos. Já na primeira visita à escola, outro desafio: mediação com jovens surdos. E por duas novatas que não sabem Libras. Vish, será que vai dar certo?
                Se você leu esse post aqui viu que isso não era exatamente uma novidade para o projeto. Ana Paula e Raphaella já haviam tido uma experiência no semestre passado e nos garantiram: “É ótimo! Eles adoram! Eles vão nos ajudando na comunicação!”. 
                Ainda assim, a insegurança batia forte, enquanto tentava convencer a mim mesma: “Vai ser uma experiência única, vou aprender pra caramba!”. Era o que eu repetia toda vez que alguém me perguntava: “E aí?”.
                Na primeira semana, levamos a Rapha com a gente e lemos Ana, Guto e o Gato Dançarino. Contávamos com uma professora intérprete. Mas saí de lá com um sentimento estranho, “É... foi legal... mas eles não participaram muito”. Ainda estávamos nos conhecendo.
                No segundo encontro, levamos O Pato, a Morte e a Tulipa, que eu e Tauane estávamos namorando há semanas. Aí eu pude perceber a diferença de se mediar um livro que você leu e releu, observou cada detalhe e se permitiu sentir. Foi realmente uma experiência diferente, a nossa conexão com a obra favoreceu a nossa conexão com os estudantes e deles também com a própria história. Podia ver eles engolindo seco (SPOILER) com a aproximação da morte do nosso amigo.
                Apesar de ter saído com a sensação de dever cumprido, por algum motivo não estava totalmente convencida. Não estava empolgada, como gostaria de estar.  Ao me perguntar o que estava me impedindo de me conectar verdadeiramente com essa experiência, logo respondia: “Ah, mas é porque a gente perde muito, tem um obstáculo na nossa comunicação, eu não sei LIBRAS”, “Sempre se perde algo na interpretação”, “Nosso diálogo não é fluido”.
                Pois bem, no encontro seguinte decidimos fazer algo totalmente diferente. Levamos um livro só de imagens (lindíssimo, por sinal, vale a pena conferir as imagens oníricas deste belíssimo livro-álbum):  A Bruxa e o Espantalho. Digitalizamos, preparamos um apresentação de slides e sugerimos: “Vamos construir juntos essa história?”.
E não poderia ter sido melhor! Eles super toparam, participaram, se empolgaram. Fluiu, foi natural. A imagem nos uniu, porque ela é uma linguagem que compartilhamos, ao contrário do Português e e de Libras, que apenas eram compreendidos por um ou outro dos lados. 
Era incrível como eles percebiam cada detalhe, um dos alunos inclusive se levantou várias vezes, para mostrar algo que havia observado. Todos nos divertimos muito, mediadoras, estudantes de EJA e professoras.
Detalhe de A Bruxa e o Espantalho, de Gabriel Pacheco.
Essa foi para mim uma noite muito especial. Foi quando eu confirmei que a leitura dialógica não tem limites. Basta que se esteja verdadeiramente aberta ao diálogo (perdoem-me a repetição, mas não há qualquer sinônimo à altura), buscando livrar-se de julgamentos e permitindo-se estar presente. 
É claro que as dificuldades surgem, assim como os incômodos, principalmente nas primeira experiências, mas se eu posso te dar um conselho, não tente afastar essas dificuldades à força, elas se vão naturalmente à medida que você conhece o seu grupo.
Agora, cá estou com o coração partido porque só voltarei a vê-los daqui um mês.  


Escrito por Júlia Di Flora


FICHAS TÉCNICAS DOS LIVROS CITADOS: 
Ana, Guto e o Gato Dançarino
autor: Stephen Michael King
ilustrador: Stephen Michael King
tradutora: Gilda de Aquino
editora: Brinque-book
ano de edição: 2004

O pato, a Morte e a Tulipa
autor: Wolf Erlbruch
ilustrador: Wolf Erlbruch
tradutor: José Marcos Macedo
editora: Cosacnaify
ano de edição: 2009

A Bruxa e o Espantalho
autor: Gabriel Pacheco
ilustrador: Gabriel Pacheco
editora: Jujuba
ano de edição: 2013

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Liberdade para Voar



“Tom tem o olhar parado no tempo”. É sob a perspectiva do irmão de Tom que somos convidados a compartilhar sua história. Uma história sobre reaprender a conhecer as pessoas que nos cercam. Sobre nos tirar do centro da narrativa de todas as histórias e perceber o outro a partir das suas experiências. O irmão de Tom talvez desconheça o que o torna tão diferente de si, talvez ninguém se incomode em explicar ou talvez não saibam também. Mas Tom vive em seu próprio mundo. Isso faz com que seu irmão se sinta confuso, sem saber o que fazer, com o coração calado”.
E o coração calado do irmão de Tom faz com que o nosso se cale também. Que fique pequenininho, apertado, partido. Porque, muitas vezes, quando temos alguém diferente, especial em nossas vidas, acabamos dando maior atenção a esse alguém e esquecendo que todos são especiais ao seu modo. E acabamos ignorando que todos precisam de atenção, todos precisam compartilhar momentos e histórias. E o irmão de Tom queria compartilhar aventuras, brincadeiras, sentimentos com Tom. Mesmo sem saber como. Ao longo da história desses dois irmãos percebemos a separação que existe entre eles. Uma separação emocional, afetiva. A vida acontece e Tom parece não percebe, acredita seu irmão. Só fica parado observando pássaros voando.
Enquanto toda a família é desenhada com traços mais humanos e com cores fortes, Tom é desenhado de forma peculiar, vazio, translucido, sem cores. Seus olhos são os olhos coloridos dos pássaros que ele tanto ama observar. Enquanto o gato da família tem traços realistas, os pássaros de Tom são traçados tais como origamis, dos mais diversos e coloridos.
O irmão de Tom se pergunta como alcançá-lo, como conversar com ele, entende-lo: “Onde será que Tom guarda todos os seus sonhos?”. Até que ele acompanha o irmão em seu amor pelos pássaros e percebe que ele tem sim uma vida própria, brincadeiras e sentimentos e isso acalenta seu coração. Só então, ele sente o som que vem do seu peito. Como se o mundo agora fizesse sentido e fosse possível sorrir e senti-lo.
É muito difícil quando temos que sair da nossa zona de conforto e nos aventurar nas experiências alheias. E aos nossos olhos, essas experiencias, por vezes, parecem confusas, sem significado, sem importância. Quando conseguimos diminuir os sons dos desconfortos que ecoam em nossas cabeças, conseguimos aproveitar as oportunidades de reaprender a enxergar o outro e, com isso, nos redescobrir também. Redescobrir nossos limites e potenciais, nossos sonhos. E você? Onde você guarda os seus sonhos? Já pensou em redescobri-los hoje?

Ficha técnica
Tom
Escritor: André Neves
Ilustrador: André Neves
Editora: Projeto
Ano de edição: 2012

Postagem escrita por Raphaella Christine Souza Caldas.