domingo, 13 de maio de 2012

Uma ótima surpresa



Para ler neste fim-de-semana, peguei ao acaso um dos livros do maravilhoso acervo que obtivemos com apoio do FNDE. O livro chama-se "Diário Absolutamente Verdadeiro de um Indio de Meio-Expediente". O título não me chamou a atenção mas ao folhear um pouco, logo me encantei com as ilustrações. A partir de então, foi começar a ler e não parar mais, madrugada adentro. Gente, simplesmente não dá para largar.O romance conta a história de Arnold Spirit Junior, um adolescente nativo norte-americano que mora em uma das reservas mais miseráveis do país. Arnold conta sua história na primeira pessoa e sua narrativa é complementada por maravilhosas ilustrações de Ellen Forney que, na história, são de autoria do próprio personagem. Arnold tem hidrocefalia e precisa usar os óculos toscos distribuídos aos índios, vive na mais absoluta pobreza e em sua reserva reina o alcoolismo e o total desânimo com a vida. Vive apanhando dos meninos da reserva devido ao fato de ser "cabeção" (literal e figurativamente, pois Arnold é inteligentíssimo, o que também incomoda alguns professores e colegas da escola na reserva).  Seu único amigo, o valentão Rowdy, é vítima constante das surras de seu pai e acaba repetindo esse comportamento com todos que o rodeiam, com exceção, misteriosamente, de Arnold, por quem nutre um sentimento de proteção. 


Uma das ilustrações de Ellen Forney


Isso até o dia em que Arnold, incentivado por um professor a procurar melhores condições de educação, resolve mudar-se para uma escola fora da reserva em que o único índio além dele é o da figura da logomarca da escola. Visto como traidor de seu povo e bajulador dos brancos, Arnold passa a ser odiado até pelo seu melhor amigo na reserva e, ao mesmo tempo, a ser desprezado entre os colegas de sua nova escola. Estrangeiro em duas terras, Arnold questiona-se sobre sua identidade e descobre aos poucos que muitas de suas idéias pré-concebidas precisam ser revistas. Mas se você já está se perguntando por que eu teria gostado de algo tão concreto, deprimente e sem poesia, é porque eu não tenho como transmitir aqui o fabuloso senso de humor e do ridículo, a sensibilidade, a fina ironia e o absoluto encantamento poético produzido pela narrativa em primeira pessoa de Arnold. As ilustrações fazem parte orgânica desta jornada de auto-conhecimento deste "índio de meio-expediente" que aprende, em meio a tanta dor mas sem jamais perder o humor, a reencontrar a força de suas raízes e o orgulho de ser quem é. 



Sherman Alexie
A obra, publicada no Brasil pela Editora Galera e com uma bela   tradução de Maria Alice Máximo, é indicado para adolescentes, jovens e adultos, eu diria que mais ou menos a partir dos 15 anos (claro que isso é muito relativo, mas é um parâmetro, devido aos temas tratados).  O autor, Sherman Alexie, ganhou vários prêmios pela obra e afirma que o livro é, em grande medida, autobiográfico. A história não esconde as dimensões dos problemas sociais das reservas indígenas (muitas das quais muito semelhantes em nosso pais), questões de violência doméstica e bullying entre adolescentes, além de tratar com honestidade os conflitos da adolescência, incluindo a sexualidade. 
Talvez por isso tenha sido banido de algumas bibliotecas nos Estados Unidos, tendo sido considerado "impróprio" (??). Porém, em um dos casos, o livro, ao ser censurado, estava com os dez exemplares emprestados e todos já reservados, mostrando a popularidade da obra entre os jovens. Em outro caso, os censores resolveram sentar-se e realmente ler o livro e decidiram que ele é sensacional, desistindo da proibição! São as loucuras da censura e da hipocrisia.
Recomendo fortemente! 

terça-feira, 1 de maio de 2012

A leitura proibida





Vocês sabiam que, nas fábricas de charutos cubanos, em meados do Sec. XIX, por algum (curto) tempo foi comum que os charuteiros contratassem um dos operários para ler para eles? Os trabalhadores escolhiam juntos as leituras do dia e ouviam, na voz do “Lector”, cujo serviço pagavam do próprio bolso, as notícias e reportagens do dia. Depois se deliciavam com obras históricas, poemas, contos e romances, como as aventuras do Conde Monte Cristo, de Alexandre Dumas (um dos favoritos dos trabalhadores, que levou inclusive à homenagem do personagem na marca de charutos Monte Cristo). Mas a prática teve vida curta, pois foi logo considerada "subversiva" e terminantemente banida. Impressiona a ênfase do decreto governamental e a caracterização criminosa dessa prática de leitura coletiva:
"1. É proibido distrair os trabalhadores das fábricas de tabaco, oficinas e fábricas de todo tipo com a leitura de livros e jornais, ou com discussões estranhas ao trabalho em que estão empenhados. 2. A polícia deve exercer vigilância constante para fazer cumprir este decreto e colocar à disposição de minha autoridade os donos de fábricas, representantes ou gerentes que desobedeçam a esta ordem, de modo que possam ser julgados pela lei, segundo a gravidade do caso."[1]



Dá o que pensar...

[1] Decreto de 1866 do governo cubano. Citado em:
Manguel, A. (1999). Uma História da Leitura. São Paulo: Companhia das Letras. Aproveito para recomendar a todos este belíssimo conjunto de ensaios sobre a leitura e sua(s) história(s).




Gerivaldo Neiva - Juiz de Direito: Dia do trabalho ou dia do trabalhador?

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