O fantástico mistério de Feiurinha
de Pedro Bandeira é o típico livro que vai além do “e viveram felizes para
sempre” recorrente nos finais dos contos de fadas. O autor explora essa máxima,
em que geralmente a heroína se casa com o príncipe e eles são felizes para
sempre. E pronto. A estória não continua, a criatividade fica por conta do
leitor depois de terminar o conto. “Mas o
que significa ‘viver felizes para sempre’?” pergunta Pedro Bandeira. O que
chamou a minha atenção na primeira vez em que li este livro (na minha longínqua
5ª série) foi a possibilidade de acabar com esse ponto final dos contos, de
participar mais um pouco da estória das princesas que me fizeram companhia por
tanto tempo. Como diria o autor “É
preciso saber o que acontece depois do fim”.
Outro
ponto interessante do livro é que ele não é centrado na estória de uma heroína
em especial. Trata-se da vida de todas elas sem diminuir ou aumentar a
credibilidade de nenhuma – as desavenças ocasionalmente ocorrem entre as
princesas, mas o autor não toma partido na causa. O fantástico mistério de Feiurinha se passa 25 anos após o esperado
“felizes para sempre”, em que, durante uma visita de sua amiga solteirona
Chapéuzinho Vermelho, Branca de Neve tem a notícia do estranho desaparecimento
de Feiurinha. Nesse momento, todas as heroínas – com exceção de Chapéuzinho
Vermelho – estão devidamente casadas, prestes a completar bodas de prata e
esperando um herdeiro. As heroínas se preocupam com o paradeiro dela, mas
também com a possibilidade do seu“felizes para sempre” estar ameaçado.
É
divertido ver uma postura mais ativa das personagens neste livro, sem esperar
pela vinda do príncipe encantado que as resgatará de todo o mal, selando a
união com um beijo do amor verdadeiro. O autor inclusive chega a
“ridicularizar” e “diminuir” o papel do príncipe na estória. O máximo que se
sabe dos Príncipes Encantados é quando as princesas mencionam no diálogo umas
com as outras. Quando Chapéuzinho Vermelho propõe chamá-los para ajudar na
busca por Feiurinha, a própria Branca de neve diz: “Os Príncipes não adianta chamar. Estão todos gordos e passam a vida
caçando. Além disso, príncipe de história de fada não serve pra nada. A gente
tem de se virar sozinha a história inteira, passar por mil perigos, enquanto
eles só aparecem no final para o casamento”. Creio que seja por isso que,
no geral, os príncipes dos contos não têm nome próprio. Eles são apenas
Príncipes Encantados, não há uma individualidade. Uma exceção é o Príncipe
Felipe, o par romântico da Bela Adormecida. Mas o fato de ele ter um nome se
deve – uma inferência minha – a uma participação mais ativa dele na estória.
Além de não aparecer apenas em pequenos trechos (no início e no fim), também se
sabe um pouco mais sobre a família do Príncipe Felipe, que inclusive participa
bastante da estória – levando-se em consideração os outros contos.
Quando Pedro Bandeira é convidado – para não
dizer intimado – a ajudar a solucionar o mistério do desaparecimento de
Feiurinha, aparece a figura de Caio, o Lacaio de Branca de Neve. Acredito que
essa falta de individualidade dos príncipes também se estende a ele em alguns
pontos, a começar pelo nome – que me perdoe o autor se eu estiver me
precipitando. Parece que o nome é escolhido de acordo com a “função”,
“participação” do personagem masculino na estória: Príncipe Encantado X
príncipe e Caio X Lacaio.
Pedro
Bandeira não conhece a estória de Feiurinha e o mesmo ocorre com seus amigos
escritores. O mistério do desaparecimento da heroína parece não ter fim. É aí
que está mais um diferencial do livro. Jerusa, a empregada do autor, é a única
que conhece esse conto e que pode salvá-lo do esquecimento. Sua avó costumava
contar estórias para ela quando criança – mais um fato que corrobora a
importância da tradição oral para a literatura. Jerusa é a heroína do livro de
Pedro Bandeira porque sem ela, não haveria o que ser narrado. É por meio de sua
contação que o autor fica sabendo como é a estória de Feiurinha, para depois
escrevê-la e permitir que os leitores tenham acesso a ela.
Durante
a contação em roda que Jerusa faz com as princesas e com o autor, é possível fazer
algumas relações com a leitura dialógica, a chamada leitura compartilhada.
Pode-se fazer uma analogia entre as princesas sentadas em roda no chão e as
crianças. Há aí uma inversão de papéis, em que as heroínas –supostamente
adultas – se colocam numa postura mais infantil diante da contação de Jerusa. A
todo momento elas fazem comentários sobre o que está acontecendo na estória,
algumas vezes relacionado a sua própria estória, algo “tipicamente” de crianças
– quando se colocam no lugar das personagens e fazem conexões com eventos do
dia-a-dia.
Outro
ponto interessante é a relação mais próxima, o contato mais direto entre
Feiurinha e seu príncipe. Seus encontros não são ocasionais ou raros, a se intensificando
apenas perto do final da estória. Eles passam anos juntos em companhia um do
outro, sendo ele o melhor amigo dela e vice-versa – quando ele estava
enfeitiçado, em formato de bode. Além disso, é a beleza de Feiurinha quem o
liberta da maldição. Há na verdade uma espécie de “troca de favores” entre
eles, já que ele deixa de ser bode por causa da beleza dela e ele – em
contrapartida – a liberta das garras das três bruxas, também quebrando um
feitiço que elas haviam colocado em sua amada.
O fantástico mistério de Feiurinha é um excelente exemplo de que os contos de fadas simplesmente não têm fim, não acabam no “e viverem felizes para sempre”. Eles podem e são contados e recontados ao longo dos tempos para um público que não precisa ser, necessariamente, o infantil. Após a leitura do livro, uma reflexão pode ser proposta: no mundo de hoje qual é o lugar das estórias? Serão elas esquecidas como a de Feiuriunha?Ainda haverá as “antigas contadoras de história”, como se refere Pedro Bandeira ?
Um comentário:
Eu adoro esse livro!
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