quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Desvendando "O Fantástico Mistério de Feiurinha" , de Pedro Bandeira

Por Katsumi Takaki
O fantástico mistério de Feiurinha de Pedro Bandeira é o típico livro que vai além do “e viveram felizes para sempre” recorrente nos finais dos contos de fadas. O autor explora essa máxima, em que geralmente a heroína se casa com o príncipe e eles são felizes para sempre. E pronto. A estória não continua, a criatividade fica por conta do leitor depois de terminar o conto. “Mas o que significa ‘viver felizes para sempre’?” pergunta Pedro Bandeira. O que chamou a minha atenção na primeira vez em que li este livro (na minha longínqua 5ª série) foi a possibilidade de acabar com esse ponto final dos contos, de participar mais um pouco da estória das princesas que me fizeram companhia por tanto tempo. Como diria o autor “É preciso saber o que acontece depois do fim”.
Outro ponto interessante do livro é que ele não é centrado na estória de uma heroína em especial. Trata-se da vida de todas elas sem diminuir ou aumentar a credibilidade de nenhuma – as desavenças ocasionalmente ocorrem entre as princesas, mas o autor não toma partido na causa. O fantástico mistério de Feiurinha se passa 25 anos após o esperado “felizes para sempre”, em que, durante uma visita de sua amiga solteirona Chapéuzinho Vermelho, Branca de Neve tem a notícia do estranho desaparecimento de Feiurinha. Nesse momento, todas as heroínas – com exceção de Chapéuzinho Vermelho – estão devidamente casadas, prestes a completar bodas de prata e esperando um herdeiro. As heroínas se preocupam com o paradeiro dela, mas também com a possibilidade do seu“felizes para sempre” estar ameaçado.
É divertido ver uma postura mais ativa das personagens neste livro, sem esperar pela vinda do príncipe encantado que as resgatará de todo o mal, selando a união com um beijo do amor verdadeiro. O autor inclusive chega a “ridicularizar” e “diminuir” o papel do príncipe na estória. O máximo que se sabe dos Príncipes Encantados é quando as princesas mencionam no diálogo umas com as outras. Quando Chapéuzinho Vermelho propõe chamá-los para ajudar na busca por Feiurinha, a própria Branca de neve diz: “Os Príncipes não adianta chamar. Estão todos gordos e passam a vida caçando. Além disso, príncipe de história de fada não serve pra nada. A gente tem de se virar sozinha a história inteira, passar por mil perigos, enquanto eles só aparecem no final para o casamento”. Creio que seja por isso que, no geral, os príncipes dos contos não têm nome próprio. Eles são apenas Príncipes Encantados, não há uma individualidade. Uma exceção é o Príncipe Felipe, o par romântico da Bela Adormecida. Mas o fato de ele ter um nome se deve – uma inferência minha – a uma participação mais ativa dele na estória. Além de não aparecer apenas em pequenos trechos (no início e no fim), também se sabe um pouco mais sobre a família do Príncipe Felipe, que inclusive participa bastante da estória – levando-se em consideração os outros contos.
 Quando Pedro Bandeira é convidado – para não dizer intimado – a ajudar a solucionar o mistério do desaparecimento de Feiurinha, aparece a figura de Caio, o Lacaio de Branca de Neve. Acredito que essa falta de individualidade dos príncipes também se estende a ele em alguns pontos, a começar pelo nome – que me perdoe o autor se eu estiver me precipitando. Parece que o nome é escolhido de acordo com a “função”, “participação” do personagem masculino na estória: Príncipe Encantado X príncipe e Caio X Lacaio.
Pedro Bandeira não conhece a estória de Feiurinha e o mesmo ocorre com seus amigos escritores. O mistério do desaparecimento da heroína parece não ter fim. É aí que está mais um diferencial do livro. Jerusa, a empregada do autor, é a única que conhece esse conto e que pode salvá-lo do esquecimento. Sua avó costumava contar estórias para ela quando criança – mais um fato que corrobora a importância da tradição oral para a literatura. Jerusa é a heroína do livro de Pedro Bandeira porque sem ela, não haveria o que ser narrado. É por meio de sua contação que o autor fica sabendo como é a estória de Feiurinha, para depois escrevê-la e permitir que os leitores tenham acesso a ela.
Durante a contação em roda que Jerusa faz com as princesas e com o autor, é possível fazer algumas relações com a leitura dialógica, a chamada leitura compartilhada. Pode-se fazer uma analogia entre as princesas sentadas em roda no chão e as crianças. Há aí uma inversão de papéis, em que as heroínas –supostamente adultas – se colocam numa postura mais infantil diante da contação de Jerusa. A todo momento elas fazem comentários sobre o que está acontecendo na estória, algumas vezes relacionado a sua própria estória, algo “tipicamente” de crianças – quando se colocam no lugar das personagens e fazem conexões com eventos do dia-a-dia.
Outro ponto interessante é a relação mais próxima, o contato mais direto entre Feiurinha e seu príncipe. Seus encontros não são ocasionais ou raros, a se intensificando apenas perto do final da estória. Eles passam anos juntos em companhia um do outro, sendo ele o melhor amigo dela e vice-versa – quando ele estava enfeitiçado, em formato de bode. Além disso, é a beleza de Feiurinha quem o liberta da maldição. Há na verdade uma espécie de “troca de favores” entre eles, já que ele deixa de ser bode por causa da beleza dela e ele – em contrapartida – a liberta das garras das três bruxas, também quebrando um feitiço que elas haviam colocado em sua amada.

O fantástico mistério de Feiurinha é um excelente exemplo de que os contos de fadas simplesmente não têm fim, não acabam no “e viverem felizes para sempre”. Eles podem e são contados e recontados ao longo dos tempos para um público que não precisa ser, necessariamente, o infantil. Após a leitura do livro, uma reflexão pode ser proposta: no mundo de hoje qual é o lugar das estórias? Serão elas esquecidas como a de Feiuriunha?Ainda haverá as “antigas contadoras de história”, como se refere Pedro Bandeira ?

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