quarta-feira, 12 de abril de 2017

Dica de Leitura: Sete minutos depois da meia-noite

Procurando por um livro bom? Aqui você encontra as melhores dicas de leitura, podemos não ser críticos literários renomados ou especialistas em literatura russa, mas nosso critério é infalível.


O AFETO

Todas indicações aqui vem de nossas boas experiências com a leitura, os livros que indicamos são doces companheiros de jornada. Indicamos aquele que nos proporcionou momento de inigualável prazer, aquele que mobilizou emoções, aquele que foi como água fresca em um dia quente.

A verdade é que acreditamos, que uma vez que esses livros chegaram até a gente e fizeram tanta bagunça e tanta alegria, temos um dever com ele. Temos que passar sua história adiante.

Patrick Ness, escritor do companheiro que indicamos hoje, crê nisso também, não só ele deu vida aos personagens que haviam se perdido após a morte de sua criadora - a escritora Siobhan Dowd. Como também reinventou o enredo, fazendo de um personagem que é a própria história encarnada.

Essa história é viva e intensa, fala tanto de uma realidade externa dura, quanto de um mundo interno bagunçado e hostil, é um livro que abre portas para falar sobre temas difíceis. Que temas são esses?
Mortalidade, bullying, divórcio, traição, agressividade, niilismo, desesperança.

Como falar sobre tudo isso com sutileza? Como Patrick fez isso? Só lendo para saber, mas vamos fazer um esforço para convencê-los a conhecer esta narrativa onírica. Começamos com Conor O'Malley e o Monstro.

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A vida de Conor não está nada fácil, nem pelo dia - em que tem que enfrentar a agressão desenfreada de seus colegas de sala, as tarefas do lar, uma amiga fofoqueira e a enfermidade de sua mãe - nem de noite - em que todos os dias é abalado e atormentado por um pesadelo. Não qualquer pesadelo, mas aquele pesadelo, que lhe tira o chão e lhe coloca diante do abismo.

Para piorar tudo, aquele teixo, tão grandioso e assustador, que fica na frente do cemitério saí de sua então certeira imobilidade e começa perseguir Conor.

Sua proposta é desconcertante: "Eu lhe contarei três histórias [...] E quando eu terminar minhas três histórias, você me contará a quarta.". Conor responde o que muitos mediadores de primeira viagem dizem: "Não sou bom com histórias" ao que o Monstro replica: "Você me contará a quarta história, e ela será a verdade."

E se eu não contar? - Perguntou Conor.
O monstro abriu um sorriso malvado novamente. - Então o comerei vivo.

Conor, sem saída, e se vê diante do teixo todas as noites. Ouvindo suas histórias sem entender o por quê delas, sem perceber que está sendo envolvido pelos laços da narrativa. O monstro como um ótimo contador nos coloca uma questão e nos confronta com a animalidade e vida das histórias, que uma vez que são colocadas no mundo, seguem livres, indomadas e desenfreadas pelo mundo.

As histórias saem pelo mundo, se envolvendo e se jogando, se somando à novas histórias e novas vidas. Assim como nossas histórias se enredam na história de Conor, a vida de Conor se mistura as histórias tecidas pelo Monstro. Conor se assusta, se frusta e se surpreende com as histórias do Monstro e nós - leitores - nos assustamos, nos frustramos e nos surpreendemos com Conor e suas verdades.

Mergulhe, abrace seu medo e junte-se a Conor. Quem sabe você descobre que tem verdades para dizer também.

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Escrito: por Júlia Gisler

P.S.: Esse livro foi recém adaptado para o cinema, e fica a dica, merece também ser assistido!

Sete minutos depois da meia-noite
Escrito por Patrick Ness
Traduzido por Paulo Polzonoff Júnior
Editora: Novo Conceito

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Mergulhando em Aves de María Julia Garrido e David Daniel Hernandéz

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O livro Aves chamou minha atenção desde a capa, tanto o estilo de gravura, quanto a escolha de usar preto e branco são muito interessantes, assim como a imagem da capa, um ganso, meio gordinho, voando, mas não da maneira tradicional, numa máquina de voar, solitário.

Abrindo o livro, logo antes da história começar a presença de uma pena meio molhada se destaca; aqui a experiência de participar de uma leitura dialógica finalmente começa, as diversas possibilidades que os participantes levantaram a partir daquela simples pena fizeram com que eu me impressionasse. E essa riqueza de visões se apresentou novamente, quando um guarda-chuva apareceu junto ao título da história Aves. Não foi um pássaro, uma pena, nem mesmo um ninho, mas sim um guarda-chuva, a imagem escolhida para representar o título, isso me deixou muito intrigada, e eu não pude deixar de refletir sobre a ligação desse objeto com a pena caída. 


Com o andamento da leitura começa a se formar um padrão, visível a, eu acredito, todos os presentes na sala. Esse mundo das aves, que geralmente é visto como alegre e colorido, nos é apresentado de uma maneira inédita, nessa versão as aves estão sempre apáticas e abatidas, num mundo cinza e com a atmosfera pesada. Já no começo, outro aspecto do livro se sobressai, a anatomia dos pássaros tem características muito humanas, como asas que mais parecem braços com mãos; patas escondidas dentro de sapatos e até mesmo a barriga de um deles parece muito mais com a de um homem acima do peso, do que a de um pássaro gordinho. Mas, infelizmente, essas não são as únicas semelhanças que encontramos entre as duas espécies. Durante todo o livro vemos um paralelo com a própria história da humanidade, isso fica mais claro a cada página. Encontramos a comparação do sistema solar baseado em ovos, que parece ser uma referência à teoria do geocentrismo, e as invenções deles que se pareciam tanto com várias invenções humanas. Além disso, há brigas e mortes dentro da própria espécie; a tentativa de usar a exploração de outros animais como lazer, e até mesmo a representação do cenário que me lembrou bastante a atmosfera de filmes e fotos que retratam a época da revolução industrial. 

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Voltando ao guarda-chuva, que causou uma curiosidade muito maior do que eu esperava. Em várias páginas, no meio de muitas discussões lá estava, sempre o misterioso guarda-chuva. E digo misterioso, pois em nenhum momento, há indicativos de chuva, ou mesmo de outras fontes naturais de água! Qual a necessidade de se ter um guarda-chuva sempre por perto? E justamente a partir dessa reflexão me veio a consideração de que talvez o curioso guarda-chuva fosse uma metáfora para o medo que esses pássaros sentem de algo que não sabemos e que talvez ocorrido antes mesmo do começo da história. Lembrei também daquela pena molhada, posicionada estrategicamente antes do título do livro. Imaginei a possibilidade de que uma tempestade muito forte tenha gerado um caos tão grande na vida dessas aves que elas tenham ficado traumatizadas. Talvez com medo de serem acometidos novamente por uma tragédia desse tamanho, elas tenham tentado a todo custo se proteger e tenham se perdido em algum lugar desse “desenvolvimento”, perdendo também sua essência. E essa triste realização se confirmou no final da história, no mesmo momento em que as esperanças, tanto dos pássaros quanto as minhas, são restauradas. Uma pequena filhote, diferente das outras aves, parece ter coragem suficiente para superar esse trauma coletivo e para tentar (re)aprender a voar.

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É claro que minha visão é uma das muitas que vieram ao longo da contação. E, talvez, tenha sido isso que mais se destacou para mim em toda essa experiência, a riqueza de pontos de vistas. Eu tenho certeza que as imagens projetadas no quadro eram as iguais para todo mundo, mas tenho mais certeza ainda que cada um de nós via algo diferente. Não existia certo e errado, existia o diferente, que inclusive, me fez perceber em cada imagem detalhes que eu não tinha visto antes. Lembro que alguém disse que a página onde apareceu um ganso em uma máquina de voar representava para ele uma crítica social. Na página onde vi uma briga de rua, viram guerras e até mesmo uma trágica cena de suicídio. Alguém acreditava que o guarda-chuva era um símbolo de status social e outro achava que era uma metáfora para as asas, agora inutilizadas, dos pássaros. 

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Eu realmente fiquei emocionada com a possibilidade de vivenciar isso junto a todo o grupo, e com a liberdade de poder compartilhar minhas próprias impressões e de, assim como todos os participantes, deixar de lado a posição passiva de ouvinte, para participar da evolução da leitura.

Escrito por: Gabriela Medeiros

Ficha Técnica:
Aves
Autores e Ilustradores: David Daniel Álvarez Hernández e María Julia Díaz Garrido

terça-feira, 4 de abril de 2017

Conversando sobre: Crianças e leitura


Convidamos todos a participarem conosco da palestra da queridíssima Profa. Dra. Eileen Pfeiffer Flores dia 06/04 (quinta) as 09:00 no auditório do bloco M na UCB (Universidade Católica de Brasília). Ela vai debater um pouco sobre nossas duas paixões: crianças e leitura. Não percam, a palestra é gratuita e aberta ao público!

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Frankenstein ou o Prometeu Moderno de Mary Shelley

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Sabe quantos anos tinha Mary Shelley quando começou a escrever Frankenstein? Dezoito. Ao redor da fogueira, ela e seus amigos se divertiam contando histórias assustadoras, Num dado momento, surgiu o desafio: que cada um dos amigos escrevesse sua própria história de terror. Dois anos depois, Mary Shelley publicava Frankenstein ou o Prometeu Moderno. Nenhum dos amigos levou o desafio até o fim.

Numa inversão universalmente conhecida, as pessoas costumam dar o nome de Frankenstein à criatura, quando se trata, na verdade, do nome do criador. Quem não leu, geralmente, custa a aceitar essa informação: "Frankenstein só pode ser o nome do monstro". Talvez seja justo. Afinal, o que criamos é também um pedaço de nós. O tormento da criatura é o tormento de criador, Viktor Frankenstein.  O desejo da criatura de ser aceita reflete, em outro nível, a ambição de Viktor, que deseja ser reconhecido como um cientista brilhante que foi além de todos os limites e tornou-se capaz, como Prometeu, de dar a centelha da vida.

Acontece que esse Adão moderno é imediatamente rechaçado por seu criador. Não é rechaçado por nenhum ato indesejável, nem por uma falha moral ou de caráter, e sim por ser feio, repugnante, assustador.  Frankenstein, covardemente, abandona sua criatura e sente alívio ao imaginar ter se livrado desse filho que o constrangia. Esse filho que não saiu como ele imaginou, que não refletia suficientemente sua grandeza. Esse filho que não recebeu do pai aquilo que é o símbolo de aceitação, de reconhecimento, de responsabilidade: um nome próprio.

O filho sem nome busca, pois,  o amor. Nada mais. Vaga pelo mundo com a esperança de que alguém possa adotá-lo como seu. Quer pertencer. Mas ninguém o quer. Seus gestos de aproximação são interpretados como ameaças, suas tentativas de fazer-se ouvir, recebidas com terror e violência. Desesperado, acaba tornando-se o que o relegaram a ser: um monstro.

Soa familiar? Deu para ver como essa história, longe de ser apenas uma história assustadora, fala com a alma jovem e como toda(o)s nós?


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A obra foi escrita em uma época em que o conceito de adolescência ainda não estava consolidada. Já carrega, no entanto, todos os ecos do Sturm Und Drang que caracterizam nossa concepção de juventude até o dia de hoje.  A paixão da juventude é refletida tanto na ambição e vontade de saber desmesuradas de Viktor Frankenstein, quanto na desolação e no desespero que se instalam no coração do monstro. Não é à toa que um dos livros lidos pelo monstro ao tentar compreender a humanidade é justamente Os Sofrimentos do Jovem Werther de Goethe, ícone fundante da visão romântica da juventude como uma fase de paixão, fogo e tormento.

Por tudo isso e por ser simplesmente uma obra prima de ficção científica, terror e romance (tudo ao mesmo tempo),  Frankenstein ou o Prometeu Moderno, escrito há exatos 199 anos atrás por uma adolescente inquieta e genial, com certeza tocará o coração de jovens deste milênio. O Livros Abertos recomenda!


Escrito por: Eileen Pfeiffer