domingo, 15 de novembro de 2015

A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga.

Vencedora do Hans Christian Andersen em 1982 - um ano após o lançamento de Bolsa Amarela, sua Magnum Opus -, Lygia Bojunga Nunes ganhou o público infantil com suas histórias que respeitam a inteligência das crianças. Ao retratar a visão da infantil de forma não estereotipada, a autora me conquistou com este livro que comentaremos agora.



Narrada em primeira pessoa, a história é contada na a ótica de uma menina de sete a oito anos, a Raquel. Com uma linguagem que parece falar à alma, o texto nos reaproxima da infância e nos faz relembrar como, muitas vezes, os sonhos, anseios e  as opiniões das crianças são ridicularizados. Raquel é criativa, engraçada e cheia de idéias e histórias para contar.Ela pensa muito, mas muito mesmo, sobre a barreira entre adultos e crianças e nos leva questioná-la também, já que nos convence de que adultos e crianças são iguais. Só criança faz pirraça? Só adulto tem deveres e segue regras? Não? Então por que crianças são tratadas como se fossem menos inteligentes e adultos como seres superiores? Lendo o livro, a primeira revelação é ver a vida pelos olhos de uma criança. Infelizmente, em nossa cultura, tratamos crianças como seres com menos inteligência, como se elas não fossem capazes de refletir ou sequer notar o mundo a sua volta. 
Ainda tenho memórias frescas da infância, algumas inclusive em que agi de formas consideradas próprias de crianças "malcriadas",enfrentando adultos e consequentemente sendo chamada de  "menina atrevida", "petulante", "folgada",  "espertinha, dentre outros adjetivos usados por quem se acha superior em um diálogo. Mesmo assim, infelizmente, eu repito esse erro como se fosse natural. A questão faz recordar um viídeo "viral" da internet de uma menina que demonstra bem que crianças sabem sim o que acontece em sua volta, e que elas expressam isso à própria maneira, com muita perspicácia e sensibilidade.




Raquel, muito mais nova que os demais irmãos e sempre sendo silenciada por eles, sente-se só. Descobre então que, por meio da escrita, ela pode ser quem quer, fazer o que bem entender, ter quantos amigos puder, despejando no papel todas as suas vontades, a de ser "grande" , a de ser menino, a de ter amigos. Mas mesmo sua escrita desperta desconfiança nos irmãos mais velhos, cujo primeiro movimento é sempre o de duvidar da palavra da caçula. Assim, até para escrever cartas inventadas de amigos inventados para si mesma, Raquel é obrigada a elaborar intrincados planos para escapar do olhar sempre vigilante dos adultos. É a bolsa amarela, um objeto rejeitado pelos adultos de um pacote enviado por uma tia, que vai permitir que Raquel guarde e viva suas vontades, seus sonhos, suas histórias... 

Uma reflexão que Raquel se faz e que acabamos nos fazendo também ao viver suas aventuras é acerca da obsessão que nossa cultura possui por divisão de gênero. Oras, por que menina não pode soltar pipa, jogar bola, ralar os joelhos? Por que diabos usar rosa ou gostar de boneca é propriedade feminina? É só uma cor, um brinquedo, uma brincadeira. Embora a obra tenha sido escrita na década de 1970, tais questionamentos continuam, infelizmente, muito 
A obra nos mostra ser possível abordar quase qualquer questão com as crianças e nos lembra que fazíamos sim esses tipos de questionamentos, assim como nossos filhos também nos colocam tantas vezes contra a parede com perguntas que nem sempre sabemos como responder. 
Num trecho, Raquel se questiona sobre seu nascimento, que ela sabe, através das irmãs, não ter sido planejado. Isso a faz sentir-se, às vezes, como se estivesse "sobrando" na família. Questiona-se, consequentemente, sobre a escolha de ser mãe:
"Um dia perguntei para elas: Por que é que a mamãe não tinha mais condição de ter filhos? Elas falaram que a minha mãe trabalhava demais, já tava cansada e que também a gente não tinha dinheiro para educar direito três filhos, quanto mais quatro. Fiquei pensando: mas se ela não queria mais filhos porque é que eu nasci? Pensei nisso demais, sabe? E acabei achando que a gente só devia nascer quando a mãe da gente quer ver a gente nascendo."
Já no diálogo abaixo, Raquel questiona o conceito de "chefe da casa" :
"- Quem é que resolve as coisas? Quem é o chefe?
- Chefe?
- É, o chefe da casa. Quem é? Teu pai ou teu avô?
- Mas para que precisa de chefe?
-Para resolver os troços, ué; para resolver o que é que cada um vai estudar.
-Cada um estuda o que gosta mais. Tem livro aí, a gente escolhe o que quer.(...)
- Não tem sempre uma porção de coisas para resolver? Quem é que resolve?
- Nós quatro. (...)
- Mas pode?
- Por que é que não pode?"
Diversas outras reflexões na perspectiva de Raquel nos fazem pensar:  As opiniões dos pequenos precisam ser reprimidas, constantemente negadas ou moldadas? Tentar coagir ou censurá-las para que suas opiniões coincidam com as nossas funciona? Penso que tratar crianças como se elas não pensassem ou como se nós adultos fôssemos "a fonte de conhecimento" é apenas uma armadilha para nós mesmos.

Espero que tenham gostado da resenha. Se tiverem indicações de algum outro livro da autora de que tenham gostado ou de outras obras relacionadas, ou se já leram Bolsa Amarela e gostaram ou não, escrevam nos comentários! O feedback de vocês é muito importante para os resenhistas e mediadores do blog.


Autora: Amanda Barros

Considerações finais:
Agradeço ao blog Leitura no Varal  por  divulgar uma de nossas postagens. Continuem nos acompanhando e esperamos continuar agradando. A literatura infantil precisa de visibilidade.

Ficha Técnica:

Título: A Bolsa Amarela
Autora: Lygia Bojunga Nunes

Ilustradora: Marie Louise Nery

Edição: 35a (Primeira Edição em 1976).
Editora: Casa Lygia Bojunga (Rio de Janeiro).


Referências: 
WIKIPÉDIA BRASIL. Artigo Lygia Bojunga. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lygia_Bojunga> 31/10/2015; 11h18.(acesso)

Um comentário:

Unknown disse...

Reflexão sensacional! :)