quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Preparando o Ambiente de Contação

                                                                
Era uma manhã de sexta-feira. Num lugar com pouco barulho, mas muitas crianças por perto. Não havia choro e nem riso,por volta só dava para sentir o cheiro de uma deliciosa comida, a qual não se podia dizer qual era, parecia com macarronada ou alguma outra massa. Sei que era gostosa porque a tia Lúcia e a tia Valdenira eram quem cozinhavam; voltarei a falar sobre elas mais tarde. Toda hora passava uma criança indo ao banheiro, parece que o xixi delas nunca acaba, e claro, logo em seguida vinham os adultos, também, num vai e vem sem parar, parece que o trabalho deles nunca acaba.
Éramos cinco, incluindo eu. Ah, me desculpa, esqueci-me de apresentar, meu nome é Fadeaushka, mas meus colegas me chamam de Dedé porque não conseguem falar aquele nome estranho ainda. É que nós estamos aprendendo a ler e escrever – não temos muito contato com nome estrangeiro.
Estávamos em rodinha, prontos para escutar uma história sobre ratos democráticos e espertos. Quem nos contava era um homem barbudo, ele tinha as orelhas grandes e um olho arregalado, não era branco e nem negro, parecia meio acinzentado. O nome dele é Durval, ou melhor, tio Durval. Toda semana ele vem contar histórias pra gente, é super legal participar das contações desde que o Joaquim não esteja na roda, pois ele atrapalha muito. Dessa vez, o tio Durval aprontou uma daquelas - como diz minha mãe. Inventou de pegar a comida que estava cheirando sem que ninguém nos visse. Pra que ele fez isso? Eu hein...
Bom, o plano era bem interessante, primeiro deveríamos nos dividir, depois obedecer ao comando do tio Durval. Como estávamos ao lado da cozinha, não parecia que ia ser difícil. Eu e meus colegas estávamos muito empolgados com aquilo, mas ao mesmo tempo com muito medo que alguém nos visse. O tio Durval, com o livro em mãos, nos separou. O Manuel ficou responsável por pegar a comida pela janela, então ficou agachado atrás do parapeito; Elisa vigiava para ver se vinha algum adulto; o Marcus, como era pequeno, ficava deitado olhando pela porta a movimentação da tia Valdenira e da tia Lúcia. Eu fiquei responsável por vigiar quem vinha por detrás da Elisa, fiquei atrás de uma pilastra. Estávamos todos a posto, como disse o tio. Ele não se preocupava tanto, parecia que não tinha do que se esconder, era como se nós tivéssemos inventado aquela ideia maluca.
Finalmente, o Marcus deu sinal de cozinha livre. Segundo ele informou a tia Valdenira tinha virado de costas para a janela, por essa hora, a tia Lúcia já havia saído de lá para fazer parte do vai e vem dos adultos. Então, todos olharam para o tio Durval, ele fez uma cara de terror e olhou para mim e para a Elisa, balançou a cabeça num sinal de positivo e a Elisa respondeu do mesmo jeito. Nesse momento eu já não sabia se saía correndo de medo ou imitava os filmes de detetive que passam na “Tela Quente”, não que eu os assista, é que minha mãe manda meu pai parar de ficar vendo esse tipo de filme. Decidi por imitar, não podia deixar o pessoal na mão. O tio Durval olhou pra mim e balançou a cabeça, mas diferente da Elisa respondi com um sinal negativo. Não sei o que aquele maluco entendeu com isso, acho que ele anda assistindo muito Chaves, pois deu o sinal de positivo para o Manuel. Ora, o que fazer? A tia Lúcia vinha por detrás da Elisa numa pressa que só os adultos daquela escola entendem. O desespero tomou conta, mas ao invés de chorar comecei a rir e o silêncio foi quebrado. Quando o Manuel colocou a mão sobre o parapeito da janela, a tia Lúcia passou pela Elisa e como se estivesse sabendo do plano, seus olhos foram diretos para a mão do Manuel. Olhei rapidamente para o tio Durval, nessa hora ele já tinha começado a rir, aliás ele não parava de rir.  Foi quando escutei:
- Ei menino, te aquieta!
As risadas tomaram conta do lugar de contação da história. Ninguém parava de rir, a Lúcia deitou no chão de tanto rir – realmente aquela cena foi muito engraçada. Acho até que o tio já sabia o fim daquilo e de propósito desobedeceu ao meu sinal. Sei que num instante estávamos todos ao redor do livro para escutar mais uma história nas manhãs de sexta-feira. A história falava de um plano que os ratinhos tinham de bolar para escapar do Gato Malvado e, é claro, eles tinham de fazer isso sem que ninguém soubesse. Foi aí que me dei conta do porque daquela maluquice do tio Durval, ele estava fazendo o que os contadores de histórias chamam de “preparação do ambiente de contação”. Isso serve para criar um clima que tenha a ver com a história a ser contada e pode ser feito de diversas maneiras, tudo depende da criatividade do contador. Já entrei em uma cabana, já fui ao banheiro em que morava a Bruxa Cereja e já coloquei todos os meus pensamentos dentro de uma caixa. Mas ainda não estou convencido do plano maluco, vai que a diretora nos visse?

Lucas Barros

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