E é bom falar da morte com as crianças? Bom... a morte é um tema
que não temos muito costume de tratar, mas há bons livros para pensarmos e
falarmos um pouco sobre. Resolvi então fazer uma mediação com esse tema e o livro escolhido foi: “O guarda-chuva do vovô”.
Esse é um livro muito sutil e sensível para trabalhar esse tema. O livro conta a história de uma menina que sempre visitava a casa dos avós quando, de repente, em uma de suas visitas, o avô “não estava mais em casa”.
Foi muito interessante que nos diferentes grupos em que
contei, ocorreram diferentes reações. O livro não revela explicitamente a morte
do avô da personagem principal. No fim, essa é uma conclusão que pode ser
inferida do texto. As crianças pareciam muito curiosas para entender logo o que
estava acontecendo durante a história. Algumas crianças suspeitaram rápido da
possível morte do personagem da história; outros achavam que ele era apenas mal
humorado e que não gostava de sair do seu quarto; ou ainda perguntavam o porquê
do avô não estar mais em casa quando a neta foi visitá-lo.
O que parecia era que eles já iam descobrindo, cada um a seu tempo, o que havia ocorrido, mesmo sem ter sido explicitamente falado. Ao final do livro, eles perguntaram muito se o avô havia realmente morrido. Eu perguntei para eles o que eles realmente achavam. A maioria confirmou a suspeita: "É, eu acho que ele morreu sim!".
É bom refletirmos uma questão central da história: a falta de informações da menina com relação à situação de seu avô (primeiro, a doença, e a posterior morte). Esse livro traz uma situação bem curiosa, pois as crianças que o ouvem ficam na mesma situação que a personagem principal: sem informações para concluírem o que de fato ocorreu com o avô. Entretanto, no final do livro, a personagem dá a entender que “fica feliz com os dias de chuva, pois sabe que o avô também está”, ou seja, ela sabe que o avô morreu de fato. Assim como as crianças, que pelas perguntas, entendiam que o personagem do livro havia morrido. O que me questiono então é: por que temos tanto medo de tratar esse assunto com as crianças já que elas sabem o que está acontecendo?
Notei que esse, apesar de ser um grande tabu, é um tema que as
crianças parecem lidar bem. Quem sabe, até melhor que nós que supostamente
“sabemos” o que é a morte. E afinal: quem realmente sabe o que fazer diante desse
assunto? As crianças algumas vezes me surpreenderam com a súbita pergunta que
chegava com um tom totalmente imparcial “Ele morreu?”. Confesso que eu não sei
mais usar esse tom em situações como essas. Sinto que vamos perdendo a
naturalidade de tratar esse tema com o tempo. Como se querer saber sobre a
morte fosse um assunto que deve ser tirado de pauta, ou que devêssemos ter
vergonha de perguntar sobre ela em “momentos inapropriados”. A morte vira uma
grande bolha que não deve ser tocada. E o mais interessante é que, todos sabem
que as bolhas, alguma hora, querendo ou não, vão estourar.
Laís Melo.
Um comentário:
Que interessante esse seu relato, Laís. Esse livro, como eu te falei, não me agradou inicialmente, depois me encantou! Por causa do não-dito, que você aborda tão bem, as lacunas que as crianças precisam preencher, e esse silêncio ao redor da morte que deixa as crianças tão intrigadas. Uma história delicada, com ilustrações lindíssimas. Tenho visto que essas são as melhores, as que não dão as coisas mastigadas. Parabéns pela mediação e pelo texto!
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