Ok, sejamos francas: eu não entrei no Livros Abertos
pensando em contar para adultos, minha vontade mesmo era estar junto das
crianças. Mas aceitei o desafio e acabei parando no grupo de mediadores da
Educação de Jovens e Adultos. Já na primeira visita à escola, outro desafio:
mediação com jovens surdos. E por duas novatas que não sabem Libras. Vish, será que vai dar certo?
Se você
leu esse post aqui viu que isso não era exatamente uma novidade para o
projeto. Ana Paula e Raphaella já haviam tido uma experiência no semestre
passado e nos garantiram: “É ótimo! Eles adoram! Eles vão nos ajudando na comunicação!”.
Ainda assim, a insegurança
batia forte, enquanto tentava convencer a mim mesma: “Vai ser uma experiência
única, vou aprender pra caramba!”. Era o que eu repetia toda vez que alguém me
perguntava: “E aí?”.
Na
primeira semana, levamos a Rapha com a gente e lemos Ana, Guto e o Gato Dançarino. Contávamos com uma professora intérprete. Mas saí de lá com um sentimento estranho,
“É... foi legal... mas eles não participaram muito”. Ainda estávamos nos
conhecendo.
No
segundo encontro, levamos O Pato, a Morte
e a Tulipa, que eu e Tauane estávamos namorando há semanas. Aí eu pude
perceber a diferença de se mediar um livro que você leu e releu, observou cada
detalhe e se permitiu sentir. Foi realmente uma experiência diferente, a nossa
conexão com a obra favoreceu a nossa conexão com os estudantes e deles também com a
própria história. Podia ver eles engolindo seco (SPOILER) com a aproximação da
morte do nosso amigo.
Apesar
de ter saído com a sensação de dever cumprido, por algum motivo não estava
totalmente convencida. Não estava empolgada, como gostaria de estar. Ao me
perguntar o que estava me impedindo de me conectar verdadeiramente com essa
experiência, logo respondia: “Ah, mas é porque a gente perde muito, tem um
obstáculo na nossa comunicação, eu não sei LIBRAS”, “Sempre se perde algo na interpretação”, “Nosso diálogo não é fluido”.
Pois
bem, no encontro seguinte decidimos fazer algo totalmente diferente. Levamos um
livro só de imagens (lindíssimo, por sinal, vale a pena conferir as imagens oníricas deste belíssimo livro-álbum): A
Bruxa e o Espantalho. Digitalizamos, preparamos um apresentação de slides e
sugerimos: “Vamos construir juntos essa história?”.
E não poderia ter sido melhor!
Eles super toparam, participaram, se empolgaram. Fluiu, foi natural. A imagem
nos uniu, porque ela é uma linguagem que compartilhamos, ao contrário do Português e e de Libras, que apenas eram compreendidos por um ou outro dos lados.
Era incrível como eles percebiam cada detalhe, um dos alunos inclusive se
levantou várias vezes, para mostrar algo que havia observado. Todos nos
divertimos muito, mediadoras, estudantes de EJA e professoras.
![]() |
Detalhe de A Bruxa e o Espantalho, de Gabriel Pacheco. |
Essa foi para mim uma noite muito
especial. Foi quando eu confirmei que a leitura dialógica não tem limites. Basta
que se esteja verdadeiramente aberta ao diálogo (perdoem-me a repetição, mas
não há qualquer sinônimo à altura), buscando livrar-se de julgamentos e
permitindo-se estar presente.
É claro que as dificuldades surgem, assim como os
incômodos, principalmente nas primeira experiências, mas se eu posso te dar um
conselho, não tente afastar essas dificuldades à força, elas se vão naturalmente à medida que
você conhece o seu grupo.
Agora, cá estou com o coração
partido porque só voltarei a vê-los daqui um mês.
Escrito por Júlia Di Flora
FICHAS TÉCNICAS DOS LIVROS CITADOS:
Ana, Guto e o Gato Dançarino
autor: Stephen Michael King
ilustrador: Stephen Michael King
tradutora: Gilda de Aquino
editora: Brinque-book
ano de edição: 2004
O pato, a Morte e a Tulipa
autor: Wolf Erlbruch
ilustrador: Wolf Erlbruch
tradutor: José Marcos Macedo
editora: Cosacnaify
ano de edição: 2009
A Bruxa e o Espantalho
autor: Gabriel Pacheco
ilustrador: Gabriel Pacheco
editora: Jujuba
ano de edição: 2013