terça-feira, 17 de abril de 2012

"Professora, mostra as figuras!"

Você folheia impacientemente livros ilustrados e acha que isso é coisa de criança? Muitas pessoas acham que ilustração serve apenas para acompanhar a história e ajudar a quem ainda não sabe ler. E, infelizmente, algumas ilustrações partem desse pressuposto, oferecendo apenas informação redundante, em imitações mais ou menos inspiradas no padrão Disney...Mas há muitos livros excelentes, verdadeiras obras de arte, que deixamos de enxergar de tanto sermos bombardeados pela centralidade do texto. Quando nos damos conta, aprendemos a ler textos e nos tornamos analfabetos da imagem...

A importância das ilustrações para a imaginação e a cognição infantil


Por Tabata Gerk [1]




[1] Texto produzido durante a disciplina Tópicos Especiais em Aprendizagem no Segundo Semestre de 2011 na Universidade de Brasília


O mundo de uma criança possui milhares de fantasias e imaginações. Muitas não podem ser traduzidas em palavras, mas as ilustrações podem representá-las, dar vida a elas e ajudar a criar outras tantas. Os desenhos muitas vezes conseguem traduzir pensamentos de uma forma mais complexa e ampla do que as palavras.

As imagens também têm um caráter democrático: podem ser lidas pelos que não sabem ler palavras. Esse aspecto abrange crianças que ainda não chegaram à idade de alfabetização. Nessa fase elas começam a fervilhar de interesse e curiosidade, e estão muito entretidas com toda a imaginação e fantasia que criam, o que torna as ilustrações dos livros um estímulo super efetivo para ajudá-las em novas descobertas, novos pensamentos e reflexões conceituais, e incentivando sua criatividade. Para as crianças que ainda não sabem ler as palavras, os livros não possuem só a história escrita que lhes é lida, e sim muitas histórias diferentes inventadas por eles mesmos com as ilustrações ali expostas.
Crianças adoram ilustrações! Mesmo quando aprendem a ler, a ilustração continua ganhando espaço de destaque nos livros. Elas começam a conseguir conectar as imagens com as palavras escritas, e raciocinar sobre essa relação, o que continua mantendo a importância das figuras nos livros.

Porém, crescendo mais um pouco, as exigências da escola mudam e o lugar das ilustrações começa a ser substituído por textos mais complexos e compridos, e contas de matemática – “muito importantes para o futuro, para que elas sejam bem sucedidas na vida, arranjem uma boa faculdade, um bom emprego...”.


 No começo da adolescência, as “antigas crianças” já foram tão dominadas pelas exigências da escola que muitas começam a achar ilustrações bobas, coisa de crianças menores, e até perda de tempo. Esse fato é fatalmente reforçado à medida que os adolescentes passam pelo pré-vestibular e continuam na faculdade, até a vida adulta. Tanto que hoje em dia muitos de nós temos ansiedade de olhar imagens mais demoradamente quando pegamos algum livro ilustrado; normalmente passamos rápido por elas e tentamos procurar a lógica apenas nas palavras. Viramos praticamente analfabetos em imagens depois de adultos. É constrangedor abrir algum livro que a história seja contada apenas por imagens e demorar mais do que o normal para entendê-la. Logo nós, adultos, que nos achamos muito mais sábios que as crianças, perdemos fácil para elas em quesito de leitura de imagens e de imaginação.
Isso é um triste fato de se pensar, que fomos tomados do direito de aprimorar nossas habilidades de imaginação e reflexão abstrata para levar uma enxurrada de números complexos e textos científicos no lugar. Não que eles não sejam importantes para crescermos e aprendermos mais coisas, esse é o curso mais natural da aprendizagem na lógica capitalista em que vivemos (estudar cada vez mais para conseguir empregos cada vez melhores para ganhar cada vez mais dinheiro). Agora, tirar a magia da fantasia das nossas cabeças chega a ser cruel. Como é que adultos desacreditados da fantasia, que foram ensinados que é uma perda de tempo, vão conseguir ensinar seus filhos a acreditarem nela?
O ritmo crescente em que a sociedade se encontra cria crianças cada vez mais novas tendo a agenda cheia de atividades ditas “úteis” para sua formação, como curso de línguas + esporte + reforço escolar, sem deixar um horário livre de puro ócio, para que elas possam viver sua infância do seu jeito. Estamos criando crianças cada vez mais “adultizadas”, crianças que desacreditam cada vez mais cedo em princesas, Papai Noel e outros personagens que fizeram sucesso na nossa infância, e mais ainda na de nossos pais, e ainda mais na dos nossos avós, bisavós, etc. Seus pais não tem tempo de sentar para ler um bom livro e “perder tempo” conversando sobre suas ilustrações, e a escola também não tem tempo porque está preparando os alunos cada vez mais cedo para o vestibular. Essa é a vida da maioria das crianças na nossa atualidade, que acreditam cada vez menos que possa existir tempo livre para o ócio, para apenas pensar, refletir e fantasiar, sem horário nem cobrança.

O papel das ilustrações é claro para a formação da imaginação e da cognição das crianças, mas elas estão aos poucos sendo banidas do nosso cotidiano. Foram substituídas pelas imagens nos programas de televisão e no computador, alguns podem argumentar. Mas não é a mesma coisa. Uma imagem que passa rapidamente, sem necessidade árdua de interpretação e crítica, não é igual a outra que possui elementos simbólicos que precisam ser refletidos e relacionados com o que se conta na história. Agora caímos numa pergunta mais difícil ainda: por que então a televisão e o computador são tão aclamados atualmente, e um livro ilustrado começa a ser considerado perda de tempo para crianças que já começaram a estudar? Não sei se encontraria a resposta.

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