Resenha: Carcamo, Gonzalo (2000). Modelo Vivo, Natureza
Morta. São Paulo: Paulus.
Por Pedro Bonaldo[1]
A obra de que quero falar hoje contém apenas imagens. Gostei particularmente deste livro porque ele difere
radicalmente da perspectiva adotada por muitos livros paradidáticos em que a
representação do que está escrito é redundante, sendo apenas ilustração
ponto-a-ponto do texto. Acho que este livro, a partir do momento que só traz
imagens, nos obriga a prestar muita atenção naquilo que está
sendo contado a partir delas. Depois, nos cativa a ir além da história e
começar a pensar na nossa vida. Em um mundo em que a imagem e texto são tão
presentificadas, seja pela internet ou televisão, este livro nos convida a
adotar uma perspectiva diferente, a olharmos para a imagem e começarmos a pensar sobre ela. É um pouco a ideia de se olhar um quadro e de tentar ir além do que se apresenta imediatamente.
Livros que em
que predomina a imagem podem causar, paradoxalmente, uma dificuldade de
compreensão. A imagem, ao contrário do que se costuma pensar, não se “dá” ao
entendimento de forma imediata. É muito comum que tanto os adultos como as
crianças sintam dificuldade ao “ler” as imagens, até pelo fato de que nossa
alfabetização, principalmente no Brasil, foca muito pouco na leitura de imagens
e sim na leitura de textos escritos (Ramos, 2011). Para entendermos um livro de
imagens precisamos aprender a olhar, ou seja, ir além de captar a imagem com os
olhos, que é uma atividade física, e ir para uma atividade mental de absorvemos
e compreendemos o examinado. Desta forma, o olhar será a soma e o resultado de
aspectos físicos, psicológicos, de percepção e de criação. Utilizarei os termos
“primeira leitura” e “segunda leitura” para mostrar o movimento que o leitor
tem ao entrar em contato com o livro.
Na primeira leitura, pela
interpretação das imagens, somos capturados pela beleza das ilustrações
produzidas pelo autor. Percorrendo as páginas, podemos compreender a história
de um artista preocupado com o meio ambiente e a de um caçador que adora exibir
suas caças, mesmo que isto implique na destruição da natureza. À medida que o
caçador vai devastando o meio ambiente, o artista sempre precisa ir mudando o foco
de suas pinturas, à procura de temas ainda não destruídos pelo caçador. Numa
primeira leitura isto pode ser apreendido.
Numa segunda leitura mais atenta, podemos pensar este livro como uma
sutil e ao mesmo tempo marcante defesa do meio ambiente. Talvez mais importante
do que isso, no entanto, seja a reflexão sobre como nossas escolhas podem
afetar a vida e o trabalho dos outros. Como mostrado no livro, a atividade do
caçador, de ir matando um animal atrás do outro, fez com que o pintor perdesse
o que pintar. Mesmo quando muda o seu
objeto para uma árvore, esta logo é destruída, nos levando a pensar que, um dia,
ele não terá mais nada para pintar assim como, se a natureza continuar sendo
destruída, um dia não teremos mais história para contar. Obviamente, dá para
brincar bastante com as expressões Natureza Viva/Natureza Morta. Vemos os dois
da transformação da natureza pelo homem, que eterniza na tela e o que eterniza
matando. Duas formas de apropriação que têm consequências muito distintas.
Momentos irônicos da história fazem pensar, como aquele em que o caçador mata o
urso para fazer um tapete e ainda compra o quadro do pintor que retrata esse
mesmo urso.
O livro pode ser
trabalhado tanto com crianças quanto com
adultos pois as imagens não são de difícil compreensão, embora uma
leitura mais metafórica possa exigir um pensamento mais atento, visto que o
livro pode ser interpretado de diversas maneiras. Li o livro todo e depois dei
para meu irmão ler, e é interessante como a compreensão da história é de fato a
mesma só que conforme vamos para uma leitura mais metafórica começamos a notar
coisas diferentes sobre possíveis mensagens da história. Essa é a riqueza de um
livro com só imagens, principalmente tão poético como este. Há livros só de
imagens que não dão muita margem para diversas interpretações, mas esse dá a
chance de cada pessoa ver algo diferente e expressar isso.
Referência:
Ramos, G (2011).
A imagem nos livros infantis. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Leitura Recomendada:
Aguiar (2009). O
que é qualidade em literatura infantil? São Paulo: Escala Educacional
[1]
Texto produzido na disciplina Tópicos Especiais em Aprendizagem: Literatura,
Infância e Aprendizagem, ministrado pela Professora Eileen Pfeiffer Flores
durante o Segundo Semestre de 2011.
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