terça-feira, 30 de abril de 2013

Como a poesia me fez entender as aulas por Andressa Priscilla

Era meu segundo semestre na universidade e tive que fazer aulas de filosofia. Confesso que viajar no mundo filosófico nunca foi muito o meu forte. Sempre fui mais prática!
            Passei o semestre inteiro indo ás aulas e não via sentido em nada do que a professora falava, mas era algo relacionado a “Eu, tu e isso”. A professora falava, falava, falava e eu não entendia o porquê eu tinha que saber de “Eu, tu e isso”. Mas ia sempre e anotava tudo, apesar de nunca fazer sentido para mim.
            Na penúltima aula do semestre ela chegou em frente ao anfiteatro e disse: Vou recitar um poema para vocês! E eu pensei: Lá vem ela com as viagens malucas de “Eu, tu e isso”. Mas não, dessa vez ela recitou algo que verdadeiramente fez todo sentido para mim e ali eu consegui entender um semestre inteiro, tudo aquilo que ela falava, falava e falava.
 Foi aí que conheci o poema “Orfeu Negro”:

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

(José Regio)

Logo em seguida todos aplaudiram de pé. Saí de lá com a conclusão de que “Eu, tu e isso”, é a relação com o mundo, em termos de experiência externa e interna. É conhecimento, o pensar, imaginar, onde o mundo é vivenciado, que é utilizado e experimentado. Cabe a nós aceitar ou não essas experiências, ou aceitar tudo que é nos imposto. 

Um comentário:

All you need is blog... disse...

Andressa, eu não conhecia esse poema, amei e fui atrás de saber mais sobre o autor. Vou buscar outras obras dele. Muito obrigada mesmo por compartilhar!