Ano passado fiz mediações de leitura com uma turminha do
segundo ano do primeiro período do ensino fundamental. Nessa época comecei a me
envolver mais com as novelas gráficas e decidi compartilhar este interesse com
as crianças. O termo “novela gráfica” vale tanto para as histórias fechadas,
com narrativas análogas ao romance e a prosa quanto para edições “encadernadas
em formato de livros de histórias seriadas em revista” [1]·.

Cheguei a ter alguns receios... Novelas gráficas juvenis
para crianças entre 7 e 8 anos...será possível? Mas a pergunta é ainda maior: É
possível apreender tudo de uma só vez em uma história? É necessário?
Pensando na nossa própria experiência, quando saímos do
ensino médio e vamos para a universidade um novo mundo literário se revela. Dos
livros didáticos a compêndios de literatura, filosofia, história entre outros.
E não compreendemos tudo, assim, de uma só vez. É preciso releitura, pesquisa,
discussão, reflexão, e, sobretudo, tempo. Como diz Ricardo Azevedo “a leitura,
como muitas coisas boas da vida, exige esforço e (...) o chamado prazer da
leitura é uma construção que pressupõe treino, capacitação e acumulação” [2].
Não devemos fazer pouco da capacidade de nossos pequenos em
(re) inventar significados e interpretações. E se há dúvidas podemos aprender
com eles a reler e encontrar novidade na releitura. A repetição para as
crianças nunca se dá na mesma forma. Elas conservam a antiga sabedoria “não se
entra em um rio duas vezes”. Há sempre algo novo a descobrir.
Ao ler os quadrinhos com eles todos os meus receios se foram
e nós nos divertimos muito!
Escolhi começar com O
chinês americano enquanto os outros dois quadrinhos seriam os “satélites”
das nossas leituras. É que o primeiro é uma única narrativa longa, e os outros,
de super-heróis, são formados por várias histórias. Acho que acabei escolhendo
esse caminho porque costumo ser assim no dia a dia, leio várias coisas ao mesmo
tempo, algumas até o final, outras ficam pela metade. De qualquer maneira, o
que importa é que deu certo! Eu costumava levar os três quadrinhos e perguntar: vamos
continuar com O chinês americano ou
vamos dar uma pausa e ler alguma história dos nossos super-heróis? Começávamos
o processo democrático de levantar o dedinho e escolher conforme a maioria.

A narrativa é composta por três histórias paralelas: a de
Jin Wang, garoto americano, filho de imigrantes chineses, a de Danny, estudante
americano que recebe a visita de um primo chinês Chin-Kee, e de outra inspirada
na antiga lenda do Rei Macaco que rejeitado pelos deuses decide subjugá-los
utilizando as disciplinas mágicas do Kung Fu, para depois renegar a sua própria
natureza. As três histórias juntas tratam de identidade, diferença, conflito e
preconceito étnico de uma maneira leve, sem dogmas moralizantes. Já os
quadrinhos de super-heróis decepcionaram um pouco. A garotada acostumada com os
filmes de ação e vídeo-game achou meio sem graça as histórias antigas e
inocentes de Batman e do Surfista Prateado. Iam afoitos para os quadros de ação
e me perguntavam “cadê o sangue?” (!).
A DC Comics lançou em um único livro as primeiras histórias
do Batman em ordem cronológica de maio a dezembro de 1939, e de janeiro a abril
de 1940.

Batman, por meio de um informante do departamento de polícia,
tem acesso ao mundo do crime. Ele flagra o roubo de jóias e é surpreendido por
policiais. Estes acabam tomando Batman por chefe da gangue. Porém, isto fora
premeditado por Batman que queria despistar os criminosos e assim prender Blake,
o francês.
Entre uma leitura e outra de O chinês americano nós também lemos as histórias de Robin, Coringa
e Mulher-Gato.
Alguns grupos escolheram O
Surfista Prateado (Silver surfer), de Stan Lee & John Buscema, edição
da Biblioteca Histórica Marvel, volume 1. Anunciado como o “novo épico
literário Marvel”, essas primeiras histórias contam a origem do “Sentinela das
estrelas”. As crianças ficaram empolgadas com esse HQ, muitas só conheciam o
herói pelo cinema.
Sobre adaptações, produção industrial e “aventuras ingênuas”
indico este artigo do crítico de quadrinhos Ciro Inácio Marcondes http://www.raiolaser.net/2011/04/o-poderoso-thor-ou-stan-lee-enquanto.html.
O Ciro é um colaborador anônimo do nosso projeto (agora nem tanto) sempre dando
dicas e emprestando quadrinhos do seu acervo.
Nesta crítica ele tem como foco outro herói de Stan Lee,
também levado as telas de cinema, “O poderoso Thor”. É interessante como ele
chama atenção às ideologias políticas por trás das histórias de super-heróis.
Apenas uma ressalva: com um empurrãozinho as crianças chegam a problematizações
mil!
Up, up and away!
Suelem Jobim
Um comentário:
Li recentemente O Chinês Americano e recomendo a todos! Uma história com histórias aninhadas, de um modo não-linear, surpreendente e muito gostoso de ler!
Para as crianças, traz possibilidades mil de problematizações.
Suelem, fiquei curiosa sobre como você adaptou a leitura dialógica para as graphic novels. Precisou fazer algumas modificações na forma de interação? Se puder, poste algumas dicas a partir de sua experiÊncia. Obrigada pelo post, muito interessante!
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