quinta-feira, 20 de junho de 2013

Crianças e seu histórico

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.


                                                                      Carlos Drummond de Andrade


Comecei minha contação de história há dois meses. No primeiro dia achei bem tranquilo, pois estava praticamente como assistente: fui junto com outra contadora e pegamos o mesmo grupo. Na segunda vez estava sozinha com um grupo de 4 crianças, e tinha de tudo quanto é tipo de gente: um menino muito tímido, que ficava com as bochechas vermelhas quando eu perguntava algo a ele; uns outros cheios de energia, que não ficavam parados um minuto; umas meninas que não queriam que eu lesse, só elas e a grande maioria querendo contar sobre a sua vida. A questão deles estarem frequentemente falando sobre coisas do seu cotidiano, chama muito a minha atenção, porque isso não pode esfalecer. Tenho medo de aliená-los com minha leitura, igual novela - onde o seu dia-a-dia não importa, e sim, se o personagem tal vai conseguir ou fazer tal coisa. Ainda bem que é uma contação dialógica! Isso já dá mais espaço para inseri-los na história, levá-los ao questionamento sobre si e seu meio, porém, sinto uma grande dificuldade em fazer essas ligações. Ainda estamos nos conhecendo e no decorrer do tempo vou ouvindo experiências dos outros contadores e pensando em formas de fazer relações entre as coisas que as crianças me falam e as histórias que levo. Também não é um grande problema, não estou pensando em formar filósofas reflexivas com a minha leitura, mas acho importante me atentar ao que elas querem saber, antes de tudo, para não "desmatar o amazonas de sua ignorância".



Natália Honorato

3 comentários:

All you need is blog... disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
All you need is blog... disse...

Natália, não há perigo de desmatar essa floresta!Cada encontro de encantamento com a literatura só irá povoá-la com mais um canto de pássaro antes desconhecido, mais uma linda flor desabrochando, mais uma gota de orvalho deslizando por uma pétala, mais um farfalhar de folhas, mais um silêncio misterioso...
Não há esse perigo, nem essa fossa que você imagina entre o mundo que você traz debaixo do braço e o que eles trazem no coração! Pelo contrário!

Natália Alencar disse...

Ah sim, professora, não quis parecer muito extremista no meu texto. A questão do desmatamento, é por que você acaba com toda aquela floresta que existia ali, para colocar outra coisa no lugar, ao invés de continuar cultivando-a. Só me preocupo com um pensamento que eu já tive, de achar que a criança é algo vazio que precisa ser preenchida, mas na verdade elas passam por diversas coisas na infância, sua memória já está cheia de coisas, idéias, acontecimentos. Mas é, também tem que ser povoada com outras novidades. :)