“As histórias para crianças
devem ser escritas com palavras muito simples…”
É assim que Saramago, que se
lamenta por "não" saber fazê-lo, inicia “A maior flor do mundo”. Como
quem não quer nada, o autor, que costuma agradar aos adultos com suas obras, vai
nos contando como “seria” essa singela e pueril estória que ele mesmo havia
inventado e esperava que pudesse ser recontada com palavras ainda mais simples
que as dele.
Só pra deixar claro, esse não
é um relato sobre uma sessão de leitura dialógica na minha turminha de 2º
período, mesmo porque, ainda não compartilhei “A maior flor do mundo” com
nenhuma turma, mas ao ler (sozinha) este livro, acabei refletindo sobre todas
as mediações que já fiz e as trocas que aconteceram com todas as crianças que
tive a oportunidade de sentar junto e compartilhar uma história.
A ficha de que “quanto mais
simples melhor”, só me veio a cair durante um dia de contação que eu já tinha dado
como perdido, pois meu horário na escola quase sempre coincide com o parquinho, e ai já viram, né, sendo o gosto pela leitura
desestimulado por esta ser quase sempre imposta de forma impessoal e remoidamente,
e ainda associada a atividades maçantes e de pouco aproveitamento para a
criança, essa era uma competição injusta. Mas acontece que enquanto todo
mundo corria para o parquinho, uma menininha permaneceu em pé ao lado da
cadeira que eu estava sentada e pediu pra eu “começar logo” a ler.
O que se passou foi o
seguinte, o livro era “Nina África – Contos de uma África menina para ninar
gente de todas as idades”, de vários autores e da editora Elementar. Num dos
contos do livro, a princesa do Céu se casou com o Rei da Terra, que era muito
invejoso e a maltratava, certa vez, o rei da Terra quis puni-la por não ter
cumprido com uma ordem dele e como castigo obrigou-a a ir dormir no quintal com
os animais, mesmo sendo uma noite fria. Bem, para quem escreveu a história esse
pareceu ser um castigo muito severo, mas não para a menina que estava ao meu lado e
exclamou - “Mas os animais são quentinhos!!”, como se dissesse - “Ué, mas isso
é muito legal, do que é que essa princesa tá reclamando?”, coisa que nem eu e (acho) nem Saramago teria pensado.
Essa menina só confirmou o que Saramago trouxe na sua história, que tinha mesmo que ser uma criança pra conseguir “fazer uma coisa muito maior do que o seu tamanho e maior do que todos os tamanhos” e ser capaz de “fazer uma flor dar sombra”, não só por ela ter trocado o parquinho com todas as coleguinhas por uma sessão de leitura, mas pela própria “leitura” que ela havia feito daquela história e que dividiu comigo de forma muito simples.
Raíssa Dourado
2 comentários:
Muito legal esse tema, Raíssa! Sinto que nós vamos perdendo a "habilidade natural" de sermos sinceros e simples com o tempo (quando vamos nos permitindo também).Acabamos tendo que exercer alguns papéis que nos fazem seguir algumas regrinhas para que sejamos reconhecidos neles... e depois parece difícil voltar a ver as coisas como elas são, na simplicidade.
E que menininha fofa essa! Imagina o quanto ela deve imaginar ser legal dormir no quintal com o cachorro!!!
Ser um autor de livros infantis deve ser bem difícil.. eles conseguem voltar a falar de uma forma simples. Mas mesmo eles, às vezes, parecem (como no caso) não conseguir voltar tão profundamente à experiência de ser criança. Mas é mto boa a tentativa!
Sim Laís, esse mundo tá "complicado" demais hahaha. Imagina como eu fiquei quando ouvi essa garotinha dizer isso???? Ela é fofa mesmo, assim como todas as crianças de 5 anos que ainda não "aprenderam" a complicar as coisas e daí podem explicar pra gente ^^
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