segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Leitura: não é paixão, é enamoramento.


Escolhi esse título, por três motivos. E acho justo começar o texto apresentando esses motivos:
1°) O termo português de Portugal nos passa uma ideia de relacionamento, exatamente a ideia que quero abordar no texto.

2°) Acho um título provocativo, pois nos remete diretamente a nossa relação afetiva e sentimental com a leitura.

3°) E por último, adoro a sonoridade da palavra enamoramento. 

Um lembrete a todos os educadores e mediadores de leitura: raros são os casos em que temos um apaixonamento pela leitura. São poucas as pessoas que o gosto da leitura foi despertado por uma paixão à primeira vista e que se manteve com a energia desse frisson nos anos que se seguiram. A literatura é um ser intenso, desejoso e cobra muito de nós, por isso a namoramos. E como um namoro entre pessoas, nosso relacionamento com a leitura é cheio de altos e baixos. Assim a proposta do texto de hoje é tirar uns minutos para nos dedicarmos a relembrar a nossa história de construção e formação do papel de leitores.
      Como mediadores, temos que compreender que o prazer da leitura é um processo, sempre em movimento e em construção. É cheio de encontros e desencontros. Cheio de casos, paixões, desilusões e traições. Há livros bons, livros ruins, há a leitura por prazer e a leitura obrigatória.
     As crianças e jovens para quem lemos estão vivendo o início desse processo intenso, e, como no primeiro amor infantil, vivem sua relação com a leitura à flor da pele. Como mediadores nesse mundo de descobertas, prazeres e desprazeres, temos que ser acolhedores e pacientes.
      E como ser pacientes? Nos coloquemos no lugar de nossas crianças, não com os olhos de adultos, mas com olhos e ouvidos de crianças. Tentemos nos lembrar do nosso primeiro livro, da nossa professora de alfabetização, da nossa cartilha e do caderno de caligrafia, tentemos nos lembrar de nossos sentimentos, medos e expectativas. Voltemos para aquele momento em que entrávamos no mundo letrado das pessoas grandes, voltemos para o mistério e a surpresa, a pasmação constante diante do que era novo.
     Nos lembremos dos nossos professores e dos nossos cuidadores naqueles anos da infância e juventude. Eles ajudavam ou atrapalhavam nossa relação com a leitura? Eles nos pressionavam de forma boa ou de forma ruim? Eles se importavam ou não estavam nem aí? Eles nos comparavam com nossos irmãos e colegas que liam mais? Ganhávamos um doce por livro lido? Lembremo-nos dos desenhos sem noção, resumos intermináveis e provas chatas que erámos obrigados a fazer depois de uma leitura compulsória. 
        É terrível a fase do Deus me livre e guarde.

        
       E então nos lembremos das revistas e livros que líamos escondidos, porque nossos pais e professores achavam que aquilo era coisa de gente grande, nos lembremos dos livros que pegamos emprestados dos colegas e que nunca devolvemos, dos livros que levávamos conosco para todos os lados, não importa se estávamos indo a uma festa, ao banheiro, a um encontro, a farmácia ou ao shopping. Ah, é a doce fase do “não vivo sem você”.
        Nós que usamos a método da leitura dialógica, às vezes, temos o desejo cego que todas as crianças participem, falem, construam e deem suas opiniões. É importante dar espaço também para o silêncio soar. Respeitar a criança em seus diferentes momentos de enamoramento. Há momentos de flerte silencioso com o livro e momentos de cantada ousada e ruidosa e, como mediadores, cabe sermos sensíveis para identificá-los.
Uma colega leu um trecho escrito por Luiz Carlos Cagliari que me marcou "Às vezes uma simples leitura basta. Nem tudo o que se lê precisa ser discutido, comentado, interpretado. [...] A leitura às vezes é como uma música que se quer ouvir e não dançar”. Vamos apreciar e dançar à nossa maneira, respeitando sempre o ritmo dos demais.

Escrito por: Júlia Gisler

2 comentários:

Anônimo disse...

Amei,Júlia!Enamoramento é uma palavra mágica, e o seu belíssimo texto me puxou para dentro dela! Quero mais...
Alexandra

JMOU disse...

Que lindo texto!Parabéns por isso.