Escolhi esse título,
por três motivos. E acho justo começar o texto apresentando esses motivos:
1°)
O termo português de Portugal nos passa uma ideia de relacionamento, exatamente
a ideia que quero abordar no texto.
2°)
Acho um título provocativo, pois nos remete diretamente a nossa relação afetiva
e sentimental com a leitura.
3°)
E por último, adoro a sonoridade da palavra enamoramento.
Um
lembrete a todos os educadores e mediadores de leitura: raros são os casos em
que temos um apaixonamento pela leitura. São poucas as pessoas que o gosto da
leitura foi despertado por uma paixão à primeira vista e que se manteve com a
energia desse frisson nos anos que se
seguiram. A literatura é um ser intenso, desejoso e cobra muito de nós, por
isso a namoramos. E como um namoro entre pessoas, nosso relacionamento com a
leitura é cheio de altos e baixos. Assim a proposta do texto de hoje é tirar
uns minutos para nos dedicarmos a relembrar a nossa história de construção e
formação do papel de leitores.
Como mediadores, temos que
compreender que o prazer da leitura é um processo, sempre em movimento e em
construção. É cheio de encontros e desencontros. Cheio de casos, paixões, desilusões
e traições. Há livros bons, livros ruins, há a leitura por prazer e a leitura
obrigatória.
As
crianças e jovens para quem lemos estão vivendo o início desse processo
intenso, e, como no primeiro amor infantil, vivem sua relação com a leitura à
flor da pele. Como mediadores nesse mundo de descobertas, prazeres e
desprazeres, temos que ser acolhedores e pacientes.
E
como ser pacientes? Nos coloquemos no lugar de nossas crianças, não com os olhos
de adultos, mas com olhos e ouvidos de crianças. Tentemos nos lembrar do nosso
primeiro livro, da nossa professora de alfabetização, da nossa cartilha e do caderno
de caligrafia, tentemos nos lembrar de nossos sentimentos, medos e
expectativas. Voltemos para aquele momento em que entrávamos no mundo letrado
das pessoas grandes, voltemos para o mistério e a surpresa, a pasmação
constante diante do que era novo.
Nos
lembremos dos nossos professores e dos nossos cuidadores naqueles anos da
infância e juventude. Eles ajudavam ou atrapalhavam nossa relação com a
leitura? Eles nos pressionavam de forma boa ou de forma ruim? Eles se
importavam ou não estavam nem aí? Eles nos comparavam com nossos irmãos e
colegas que liam mais? Ganhávamos um doce por livro lido? Lembremo-nos dos desenhos
sem noção, resumos intermináveis e provas chatas que erámos obrigados a fazer
depois de uma leitura compulsória.
É terrível a fase do Deus me livre e
guarde.
E
então nos lembremos das revistas e livros que líamos escondidos, porque nossos
pais e professores achavam que aquilo era coisa de gente grande, nos lembremos
dos livros que pegamos emprestados dos colegas e que nunca devolvemos, dos
livros que levávamos conosco para todos os lados, não importa se estávamos indo
a uma festa, ao banheiro, a um encontro, a farmácia ou ao shopping. Ah, é a
doce fase do “não vivo sem você”.
Nós
que usamos a método da leitura dialógica, às vezes, temos o desejo cego que
todas as crianças participem, falem, construam e deem suas opiniões. É
importante dar espaço também para o silêncio soar. Respeitar a criança em seus
diferentes momentos de enamoramento. Há momentos de flerte silencioso com o
livro e momentos de cantada ousada e ruidosa e, como mediadores, cabe sermos sensíveis
para identificá-los.
Uma colega leu um trecho escrito por Luiz
Carlos Cagliari que me marcou "Às
vezes uma simples leitura basta. Nem tudo o que se lê precisa ser discutido,
comentado, interpretado. [...] A leitura às vezes é como uma música que se quer
ouvir e não dançar”. Vamos apreciar e dançar à nossa maneira, respeitando
sempre o ritmo dos demais.
Escrito por: Júlia Gisler
2 comentários:
Amei,Júlia!Enamoramento é uma palavra mágica, e o seu belíssimo texto me puxou para dentro dela! Quero mais...
Alexandra
Que lindo texto!Parabéns por isso.
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