Um conto da autora Aiko Hime(eu) em homenagem aos professores.
Audra é um pseudônimo artístico da minha antiga professora de artes. Atualmente ela não leciona, mas será eternamente professora, minha professora.
Mudanças e descobertas
Audra é um pseudônimo artístico da minha antiga professora de artes. Atualmente ela não leciona, mas será eternamente professora, minha professora.
Crédito da arte Michele Tattoo
Mudanças e descobertas
Com ela, inicialmente, o poder de raciocínio fluiu. Não era como resolver os deveres de matemática em que tinha uma fórmula pronta para tudo, ou uma aula de história na qual o livro tudo dizia - na cabeça deles, é claro. Ela incentivou o poder de refletir e questionar naqueles cérebros completamente mecanizados por um sistema de ensino que até então era... Chato. Artes tornou-se a matéria favorita.
Ela não era apenas uma professora, Audra sabia se comportar como um ser humano, tratava as aulas de seus alunos não como suas obrigações, mas como seus direitos; eles eram pessoas com uma vida, como ela. Fazia questão de mostrar a todos que não era a mais sábia, nem estava sendo paga para transmitir conhecimento; recebia com a finalidade de aprender juntamente com todos, iniciando debates propostos por livros e fontes pesquisados por cada aluno presente. Quando um tema era levantado por ela, difícil algum aluno, ou qualquer outro cargo estudantil, derrubar.
Começou a dar aulas de teatro e desenho incentivando atividades extracurriculares. Pela primeira vez em cinco anos, a escola tinha algo produtivo a oferecer para aquela gente.
Ela gostava de filmes, livros e quadrinhos; a cultura brasileira a encantava, nada daquele falso patriotismo, ela realmente amava o que sua rica cultura oferecia. Através da sua sincera adoração, pensamentos eurocêntricos entre outros alvos de consumo selvagens capitalistas foram quebrados; sabia que os Estados Unidos não são os únicos a produzirem cultura? Questionava a globalização que aproximava a cada dia todas as culturas em uma só, perdendo tesouros culturais de forma obrigatória.
Apaixonada por ensinar, ofereceu-se para tutelar as aulas de reforço dadas na escola. Proposta como clubes culturais de incentivo à educação fora da sala de aula nunca foi tão bem sucedida. Audra transformou um espaço de notas, trabalhos e pressão em um local de produção, criação e discussão. Crianças robôs em humanos pensadores.
Um dia uma aluna entrou em sua sala por engano e espantou-se com o que viu. Audra estava passando por uma metamorfose dolorosa. Suas costas com cavidades despejando sangue, seus lábios conjuravam palavras inaudíveis, mas ainda sim os vidros em volta se quebravam, a dor estava mesmo insuportável. Mais perto, a estudante com medo se aproximava para saber o que acontecia. Nos buracos que sangravam havia duas películas, mas não pareciam lâminas ou coisa assim, estavam saindo, literalmente de dentro pra fora.
A aluna, sem saber o que fazer, apenas catou os lenços que encontrara na gaveta e passou a tentar estancar aquele vulcão em erupção sanguinolenta. Tocando as costas, reparou que eram asas, tinha asas saindo do corpo da professora. - Mas que metamorfose era essa? - a aluna pensou.
Procurando no fundo de seu cérebro, a biologia do homosapiens não permitia o nascimento de asa, não fazia parte da constituição humana. Imaginou que talvez fosse uma doença, ou que Audra fosse uma aberração da natureza. Independente do que fosse, a aluna tentaria ajudar a amada professora da forma que fosse mais conveniente para ambas.
Foram quatro horas de dor para as asas se expelirem, a professora estava fraca, totalmente largada no chão, com apenas a cabeça no colo da aluna que presenciava aquela cena de tensão até o fim. Quando finalmente fora, as asas começaram a brilhar, era um tom verde florescente; os cabelos da professora mudaram de cor, agora eram laranja e moldaram um penteado perfeito, a pele de Audra estava viscosa, sem vida pela quantidade de sangue que perdeu, mas um fleche de luz dourada começou a cobri-la inteira. Quando no fim, as íris e pupila sumiram. Audra estava gelada. A aluna chorou, sua amada professora estava morta.
Crente que a metamorfose tinha sido um fracasso, criou coragem para pedir ajuda. Gritava aos três ventos a sua dor, o que seria daquela escola sem Audra e o que seria sua vida sem a própria vida? Formou uma multidão.
No aposento, nada se encontrava, Audra tinha sumido. Seria fruto da imaginação fértil da aluna? Todos se foram zangados. A menina não entendia, procurou a professora em todos os cantos da escola, mas ela realmente tinha sumido.
Depois de uma semana, todas as aulas voltaram a ser como antes, apenas obrigações, decorar não questionar, essa era a lei do sistema. Temos de buscar o sucesso através da profissão, não buscar ser um bom profissional para o sucesso os perseguir, isso era fantasia. Ora, mas fadas também não eram fantasia?
Neste devaneio, um bilhete cai em sua mesa. A caligrafia era conhecida, mas inacreditável. “Agora é a sua vez”, estava anônimo, mas o remetente vinha de um mundo aparentemente imaginário, que, como a educação proposta por Audra, se antes era fantástico agora passa a existir. Porque essa aluna vai fazer existir.
Suas costas começaram a doer, a dor nunca foi tão bom sinal.
Isa nunca mais veria Audra, mas se tornaria próxima de alguém como ela. Mudanças e descobertas não poderiam ser melhores.
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