Sobre delicadeza e respeito
Quando entrei para este projeto eu não tinha noção de como seria importante a minha participação na vida de outras pessoas. Muito menos que eu viria a aprender sobre a própria vida com as crianças para quem eu conto as histórias. Cada história contada é uma nova viagem, pois as crianças tem suas próprias maneiras de entender as histórias e relacioná-las com sua vida. E é exatamente isso que torna este projeto mais empolgante (pelo menos é o que eu sinto).
Entre histórias com textos e outras com desenhos apenas, escolhi levar um livro que se chama A cama da mamãe de Joi Carlin e Morella Fuenmayor. É uma história interessante e que as crianças iam curtir cada página tanto pelos desenhos como pelas palavras, pois é fácil de se identificarem como as crianças da história.
Fiz como de costume, cheguei na sala de aula dividi os grupos de quatro crianças e fomos a biblioteca para começar a contação. Quando cheguei ao quinto e último grupo fiz como com os outros, apresentei o livro e logo comecei a contar, mas o que eu não esperava era ouvir de uma das crianças que ela não tinha mais mãe. A surpresa foi tão inesperada que por alguns instantes eu imediatamente desarmei minha postura de alguém que estava ali pronta para uma história divertida e passei a ouvir toda a história daquela pequena criança.
O que eu fiz e pensei neste momento? Absolutamente nada! Não estava preparada para ouvir uma história tão triste de uma menina de 5 anos de idade. Resolvi então deixar que ela decidisse se queria continuar ouvindo a história ou se preferia voltar para a sala, mas ela decididamente disse que podia continuar. Quando eu disse 'decididamente' é porque foi exatamente assim que ela se colocou na situação. Parecia que ela estava querendo me acalmar.
Ela continuou falando sobre sua vida ter mudado depois disso. Disse que ainda havia um irmão e o pai, mas que outras pessoas da família estavam sempre por perto para cuidar dela. Como uma criança pode expressar tanta maturidade e firmeza diante de um acontecimento imprevisto que mudou a vida dela por completo? Eu continuo sem saber, mas depois de ouvi-la, entendi que ela estava bem apesar de tudo. Terminei de contar a história e então voltamos para a sala.
Dentro de um assunto tão delicado eu me senti a priori sem poder agir, mas logo me ofereci para ouvir e dar apoio naquele instante à ela. É um assunto para refletir, no mínimo, e procurar ter respeito sobre a vontade de quem te conta algo tão íntimo.
De repente eu virei a ouvinte e ela que contou a história naquele dia.
2 comentários:
Oi Yohana, gostei muito do seu post e me identifiquei também! Recentemente aconteceu comigo de um menino falar sobre sua tia que havia morrido e também fiquei sem saber o que fazer. Mas penso que só ouvir o que as crianças tem para dizer mesmo que sejam histórias mais "tensas" ou cotidianas já é muito significativo para elas, porque muitas vezes os adultos que elas tem contato não param para as escutar.
Vejam este video, tem muito a ver com o relato de Yohana:
http://www.youtube.com/watch?v=armP8TfS9Is
Não há muito lugar para a expressão de emoções e sentimentos na sala de aula convencional. O momento de leitura compartilhada, se e quando as crianças são ouvidas de verdade, com o diálogo livre sobre as obras, os personagens, seus contextos, suas emoções, e com abertura para ouvir as histórias de tod@s, são portas diretas para a expressão emocional das crianças, como ocorreu aqui.
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