sábado, 26 de novembro de 2011

Coluna do Colaborador por Adriana Rezende Dias

(Imagem por Alejandra Karageorgiu)

Falamos muito aqui de leitura dialógica e das experiências maravilhosas que cada um teve com o seu grupo de alunos. Mas pouco é dito sobre o quanto isso reflete na vida de cada um de nós. Mais especificamente em nosso pensar, em nosso refletir e ouvir o outro.
Cada um já parou para pensar como a leitura dialógica e compartilhada nos possibilita um olhar mais colorido? Um maior discernimento em relação às possibilidades e significações que a língua portuguesa e a literatura nos proporcionam? E o quanto isso cada vez mais está sendo ignorado, desprezado mesmo?
Mas sabem de uma coisa? Na verdade, cada vez mais me espanto com o descaso que os professores, em especial, vêm tendo com a língua portuguesa. E, não pensem vocês que vou falar da gramática ou do uso correto dela. Isso é de importância fundamental, sem dúvida, principalmente para um professor, mas o que mais me assombra é um descaso muito maior do que esse. É o verdadeiro desprezo com o significado das palavras e o descaso primordial com o ouvinte. Como se falassem para seres sem subjetividade – não sujeitos.
Particularmente, não sei o que ocorre na cabeça de um professor que enuncia que “Quem conversa em sala de aula vai ficar burro”. Acredita que irá diminuir a conversa em sala de aula, pois os alunos terão medo de ficar burros? Ou a aula do professor de repente irá se tornar mais interessante?
Talvez se pudesse recomendar a leitura de Pinocchio, com particular atenção ao trecho do parque de diversões versus ir à escola... Bom, não sei se seria o caso, pois a questão não se reduz a isso – infelizmente.
A questão se estende quando o professor anuncia: “Viu, vocês acham que divisão é difícil? Pois na 5a. série vocês vão aprender fração que é muito mais difícil! Não estudem para ver só…!" Qual é a intenção? Que os alunos desistam da escola? Ou que magicamente compreendam aquilo que o professor não consegue explicar?
Há ainda outras pérolas: ”Vocês deixem o caderno no armário que estou cansado de receber recadinho de pais dizendo que não fiz correções!” O que o professor pretende com isso? Porque não diz diretamente aos pais que não aceita intervenções em suas falhas educacionais?
E piora quando, em uma experiência de ciências “montada” com toda a turma, solicita que a classe levante hipóteses do que irá acontecer com o experimento. Ao solicitar à classe que formule hipóteses, um aluno afirma que do experimento surgirá um mutante. A professora aceita escrever a hipótese no quadro apenas para que ele fique calado!!! Não compreendo... Com certeza não poderia ser professora dos filhos de Ridley Scott, Barry Sonnenfeld ou Steven Spielberg…
Enfim, Postman está certo ao enunciar o fim da infância (leiam o texto de Katsumi Takaki) afinal, não só desacreditamos que a criança tem seu espaço como estamos desacreditando nelas como Sujeitos, portadores de subjetividade, capazes de refletir, pensar e questionar.
Mandar uma criança aos gritos sentar-se em sua carteira simplesmente porque ela se levantou com um livro de literatura na mão para fazer uma pergunta de vocabulário à professora (que estava também sentada…), na “hora errada”, não é visto como assédio  nem como exemplo do mais novo conceito da educação – bullying. É disciplina! O certo é que disciplinou a aluna a nunca mais fazer perguntas à professora sobre vocabulário.
Dizer aos alunos ao entregar as provas “Quem não tirou 10, é só se esforçar mais que vai conseguir” é prova de carinho ou de bullying ou mesmo desprezo com os que mesmo se esforçando não conseguiram tirar 10? E não conseguiram por várias razões, afinal as provas elaboradas no ensino fundamental ….ah…isso? Vamos deixar para outra vez...Pois até prancha de Rorschach (aquele teste psicológico de personalidade, já ouviram falar?) virou desenho de arte em prova de matemática!!
A jornalista Leonor Macedo questiona em seu blog (eneaotil.wordpress.com) a questão do Bullying realizado pelo professor, e o que parece universal (ao menos nacional…) é que se você comenta com o professor ou pergunta qual foi a intenção dele/a ao dizer tal coisa é que ele/a responde que isso jamais aconteceu! O que aconteceu então? Será a criança então que ganhou uma capacidade para criar um mundo de ficção de terror no momento em que a mãe pergunta: “Como foi a escola hoje?”?
Realmente, as palavras, meus caros, não têm mais significado, elas estão sendo jogadas ao vento. Há dias que vejo coisas como uma avaliação de escola corrigida com descaso (ou seria com raiva?) ou ouço determinados relatos de minha filha e tenho a sensação de que estão dando descarga com a língua portuguesa! Logo a minha querida e amada língua materna…
Falar sobre leitura é realmente uma tarefa para poucos. Parabéns a todas vocês que encerram esse ano com esse trabalho lindo e possibilitam um pedaço de paraíso a essas crianças que devem travar lutas diárias para conseguir sobreviver em suas salas de aula!

Adriana Dias

3 comentários:

Livros Abertos: Aqui Todos Contam! disse...

Olá, Adriana, também fico indignada com episódios como o que você conta aqui e que, infelizmente, são muuiitoo frequentes. A criança é muito desrespeitada e os absurdos que você citou abundam em sala de aula. Por sorte não é o caso de nossa querida escola que com tanto carinho recebeu o Projeto Livros Abertos. Os professores da Escola Classe 415 Norte e a equipe pedagógica nos dão todo o apoio e nosso projeto é complementado por vários outros da escola, como o da Biblioteca Nacional, o Bolinha de Sabão e o Recreio Literário. Vejo as crianças engajadas em projetos significativos e tendo voz ativa e respeitada. Temos muita sorte de ter conhecido o pessoal da 415 Norte e oxalá todas as escolas fossem assim.

Anelice disse...

Outro dia ouvi de um menino de 8 anos que não fala mais em sala de aula, mesmo quando a professora solicita, porque ainda não aprendeu a arte da adivinhação. É que, segundo ele, nunca fala o que a professora quer ouvir então ela nunca fica satisfeita com suas considerações (quando a criatura pergunta "a opinião das crianças" sobre algum assunto).

Adriana Dias disse...

Incrível!!!